23 – AMAMENTAÇÃO UMA HORA SAGRADA

Este texto é continuação do anterior, com aprofundamento maior do tema, pois mais importante do que conhecer os pressupostos teóricos do desenvolvimento e seus autores, como foi apresentado no texto 22, é  reconhecer tais teorias na prática do dia a dia.  Bem, também se faz necessário preparar meus leitores para o impacto que possam sofrer ao se reconhecerem no exemplo que será citado, uma vez que contraria teorias que apontam para uma vida emocional saudável.  Caso você se veja neste exemplo, entenda que o fato de desconhecer sobre o assunto em pauta o exime de qualquer responsabilidade. Saiba também que, na construção do ser, está em jogo um grande número de variáveis.  Ou seja, às vezes você faz tudo “direitinho” e, mesmo assim, não obtém o resultado esperado.  Em minha caminhada de pai junto com minha esposa Mônica, por exemplo, cometemos alguns excessos e, em outras vezes, omissões das quais hoje temos consciência. Apesar de nosso resultado final ter sido positivo, teríamos nos poupado de certos estresses e a caminhada da família poderia ter sido mais agradável.  Por fim, graças a Deus, prevaleceu um ditado antigo: “Pé de galinha não mata pinto.” No entanto, seria bom frisar que tal ditado não é cem por cento seguro.

Bem, vamos ao exemplo de hoje. Eu estava no supermercado fazendo as compras de natal e me chamou a atenção duas mulheres, que também estavam fazendo compras, mas com um diferencial: as duas estavam amamentando enquanto sacavam produtos das prateleiras.  Cada observador terá uma percepção diferente desta cena.  É provável que tal gesto tenha sido visto com louvor por alguns. Afinal, que mulheres fantásticas, que enfrentam as dificuldades da vida e, não tendo com quem deixar os filhos, os trazem para o supermercado cheio, quente, com empilhadeiras transitando em várias direções, com o falatório natural do ambiente, com aquele clima de pressa no ar e com filas quilométricas  no caixa.  Uma cena, que, apesar de mostrar a dificuldade da mulher com seu filho no colo,  também mostra sua atitude de enfrentamento e de solução de problemas, já que, por razões que desconheço,  não contou com ajuda de terceiro que olhasse o bebê enquanto ela saía às compras.

O caso é que a cena também deveria ser levada em conta do ponto de vista do bebê.  Afinal, ele não é como uma mochila que, não podendo ser deixada para trás, você pendura nas costas e sai andando.

Para compreender melhor o que está acontecendo, quero que você imagine um adulto fazendo compras naquelas mesmas condições, com um prato cheio de comida em uma das mãos. Entre uma garfada e outra, um produto novo no carrinho.  A atenção dele estaria dividida entre tantas coisas que mal perceberia a comida ingerida.  Mesmo assim, ainda teria uma vantagem em comparação ao bebê, pois um adulto, nestas circunstâncias, já possui estrutura cognitiva e personalidade formada.

Para fazer a refeição, é consenso que precisamos de um lugar adequado, com mesa forrada, cadeira, talheres…  Mas se tiver música ambiente, fica melhor; se o local contar com uma arrumação estética adequada fica ainda melhor; se você for servido por pessoas educadas, preocupadas com seu bem estar, que lhe apresentem um cardápio com várias opções, fica dez vezes melhor; e se nisso tudo você estiver com pessoas agradáveis comendo com você fica mil vezes melhor.  Todo este aparato provoca um sensação prazerosa ao ato de se alimentar, que aproxima as pessoas, vincula, cria liga.  E aí você entende o porquê não pode ser com o prato na mão, em pé, de qualquer jeito, com pressa. Agora, imagine o bebê, que não tem as estruturas cognitivas amadurecidas para editar um pensamento e significar o que está vivenciando!  De fato, o bebê não está pensando a respeito, mas está sentindo. Toda a cena estética o está afetando emocionalmente. Ao invés de perceber a mãe focada no sagrado dever de amamentar, prover as suas necessidades, contempla o olhar da mãe perdido entre as prateleiras e objetos que sabe lá Deus o que são.  O neném perde o contato com a mãe, e aquele gesto de amamentar, que deveria vincular, afetivamente, mãe e filho; que deveria ser o alicerce que gera confiança básica nas futuras relações sociais; que deveria inspirar a capacidade de ter fé para que esta criança se desenvolva como uma pessoa crédula; enfim, tal gesto termina por não cumprir o papel adequado, sinalizando ao bebê que ele está sozinho, que o mundo não o recebeu bem, dando-lhe uma percepção de insignificância. Lembre-se que o gesto de amamentar adequadamente é que dá as boas vindas do bebê ao mundo.

Imagine a mesma cena da mãe amamentando no mercado, agora, dentro de outra perspectiva: a criança está em seus braços e chora porque quer mamar.  A mãe vê que a criança não conseguirá esperar chegar em casa, então, procura um cantinho na recepção do mercado, ou pode pedir para ser levada à gerência para ficar alguns minutos em um lugar mais tranquilo com o bebê; ou, se veio de carro, pode voltar ao carro e ofertar o alimento ali.  Bem, uma vez descoberto o lugar mais próximo do ideal para amamentar, oferece o leite ao bebê seguido de olhar atento, conversando com ele, mostrando que a necessidade dele é atendida com carinho e exclusividade.

Como já disse, ele não terá memória deste gesto, mas o afeto dele proveniente será inconscientemente relembrado e reeditado por toda a sua vida, de forma positiva ou negativa, conforme a experiência vivida.  Esta primeira CRISE NORMATIVA, como chamou Erik Erikson, fará muita diferença na qualidade das relações sociais, profissionais e, pasmem, até da escolha de um parceiro sexual no futuro. A amamentação é um dos filtros determinantes de como tal sujeito perceberá a vida.  Se viveu experiências positivas, confirmadas nas  relações de maternagem, o neném terá a sensação de que o mundo é bom e confiável, cria o primeiro conceito bom sobre si e sobre o mundo; mas, em caso contrário, o neném sentirá o mundo como mau e perigoso, tendo um conceito pejorativo de si mesmo e estará sempre mais desconfiado do que entusiasmado e persistente.

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