Longe de mim insinuar que esgotei tudo o que se poderia dizer sobre a primeira crise normativa do desenvolvimento (confiança básica x desconfiança básica), segundo o modelo psicanalítico de Erik Erikson. No entanto, seguindo esta sequencia, hoje, quero falar sobre a segunda crise normativa que fundamenta a autonomia da criança. Nesta fase, o bebê está entre dezoito e trinta meses. A esta altura do desenvolvimento, a maturação orgânica capacitará a criança às condições de controlar os esfíncteres do corpo, mais precisamente a capacidade de expulsão e retenção de fezes e urina. Esta nova condição orgânica faz com que a criança tenha as primeiras experiências de controle, ou seja, aprenderá a reter e liberar seus produtos orgânicos na hora e lugar adequado. No entanto, não somente o controle de fezes e urina, mas também está aprendendo as primeiras frases. Estas frases, que muitas vezes já expressam desejos diante das figuras parentais, devem ser recebidas, pelo menos, com atenção e amor. Você lembra daquela cena da criança de três anos que está falando e os adultos não estão dando a mínima? Ou ela dá um grito, ou puxa o rosto do adulto se estiver ao seu alcance em sua direção para dizer: “__Ei eu estou aqui!” Pois bem, ainda não é o momento de repreendê-la por estar atrapalhando a conversa dos adultos, já que ainda não sabe o que é uma conversa do ponto de vista adulto. Se você é do tipo que gosta de “disciplina”, saiba que ela só funciona no momento adequado.
É nesta hora que os pais precisam ter sabedoria para entender que o mundo infantil é diferente do mundo adulto. Por exemplo, para o adulto, cocô, culturalmente falando, é algo ruim, mal cheiroso, digno de ser lançado no lixo. Por outro lado, na mente infantil, nesta fase, cocô é a sua primeira produção de ser humano na face da terra, é o seu primeiro produto oferecido ao mundo. Nesse contexto, agora imagine o sentimento do bebê diante das sinalizações negativas quanto ao cheiro exalado, quantidade, comentários pejorativas acompanhados de expressões faciais de nojo, de repulsa. Como já disse anteriormente, o bebê ainda não tem estrutura para articular um pensamento, mas o sentimento, positivo ou negativo das vivências da infância são constituintes da personalidade. Logo, o que está em jogo nesta crise normativa, como diz Erikson, é a afirmação do bebê como um ser que tem vontade própria, que faz escolhas e que pode ser amado com todos os aspectos de sua personalidade.
Fica claro que o bebê que desenvolveu um sentimento positivo na fase anterior, (confiança básica), agora, comece a testar os adultos com comportamentos que parecem impertinentes, como por exemplo, fazer xixi nas calças, porém já sabendo que deveria pedir para ser levado ao banheiro. Este comportamento funciona como um teste para confirmar a aceitação incondicional, já vivenciada na fase anterior.
Pais devem saber que, entre dezoito e trinta meses de idade, autonomia X vergonha ou dúvida está em jogo. Esta CRISE NORMATIVA, uma vez bem sucedida, ou seja, quando o bebê ama e sente que é amado pelos pais, fará com que o bebê vivencie um sentimento de autonomia e autodeterminação, sentindo que o que faz é bom e valorizado. Este sentimento positivo com a vida o acompanhará em diversas outras etapas, sentirá que seus produtos são bons, sentindo-se adequado em todas as relações produtivas que vier a estabelecer com o mundo; no entanto, caso esta crise não seja bem sucedida, a criança nutrirá um sentimento negativo relacionado a sua capacidade de tomar iniciativa, podendo ser acometida de um misto de sentimentos de vergonha e dúvida de suas capacidades. Em um nível extremo, suas fantasias de que cometeu falhas horríveis podem, até, levá-lo a nutrir sentimentos de culpa e, em fantasia, viver o sentimento de que perdeu o amor dos pais.
Cuide bem de sua criança, ofereça a melhor maternagem/paternagem, pois na estrada do desenvolvimento sempre um aspecto da personalidade está em jogo. Apesar deste processo depender de outras variáveis já é pacificado que a ambiência que os pais promovem se sobrepõe direcionando o processo.