28-FRUSTRAÇÃO

Entre três e seis anos, no contexto do desenvolvimento psicossocial, mais especificamente na teoria de desenvolvimento de Erik Erikson (autor no qual baseio este olhar para a infância), descobrimos que está em jogo aquele adulto descrito como pessoa que tem iniciativa, boa autoestima, que se sente capaz de realizações, que se aceita nos diversos aspectos da sua personalidade.  Quando esta fase não é vivida adequadamente, estas habilidades sociais ficam comprometidas, se transformando em barreiras limitantes das capacidades que o sujeito poderia vir a ter.  Daí a importância dos pais aprofundarem o conhecimento desta fase para que seus filhos sejam adultos bem resolvidos nas relações sociais e na vida. As atitudes inadequadas praticadas pelos pais, nesta fase, são permeadas de boas intenções, dando luz à ideia que o filho deve ter uma vida “melhor” do que aquela que teve o seu progenitor.  No entanto, é um pensamento equivocado achar, que, se o filho NÃO passar pelas mesmas necessidades, crises, tristezas ou frustrações vividas por seus pais serão adultos “melhores”  e bem resolvidos.

Com um exemplo fica melhor.  Eu tinha entre cinco ou seis anos, meu pai trabalhava numa revenda de colchões e minha mãe era do lar.  Eu era o primeiro de quatro filhos, e, nesta época, éramos três crianças vivendo num apartamento alugado no Meier.  Família tradicional, no final da década de 60, era normal a fantasia entre as crianças de que Papai Noel existia e fazia visitas no Natal. Os pais sustentavam esta crença infantil, dentre  outras, a fim de preservarem seus filhos no mundo da inocência/fantasia.  De todos os outros natais deste período eu lembro de poucos, mas um, em particular, ficou marcado para o resto de minha vida.  Era o lançamento do Batman na versão robô, brinquedo à pilha. O boneco andava, tinha uns trinta centímetros de altura, abria o peito e disparava tiros de metralhadora, saindo faíscas.  Até aquele dia eu alimentava a fantasia de que papai Noel traria aquele brinquedo para mim, afinal eu tinha sido um bom garoto naquele  ano.  Chegou o natal e eu ganhei vários brinquedos, mas o Batman robô não apareceu.  Meu pai me  explicou que Papel Noel estava com o Helicóptero muito pesado e que, por isso, não foi possível trazer tal brinquedo.  Fiquei triste, mas me conformei, entendendo que houve um “problema técnico” (rs) que estava além das forças do bom velhinho resolver.  Quando as crianças desceram para brincar na garagem do prédio, como de costume, todos levavam seus brinquedos e meu vizinho de porta levou o Batman para brincar.  Ele havia ganho o presente naquele Natal. Subi as escadas do prédio numa disparada, eu precisava falar urgentemente com meu pai. Meu pai haveria de ter uma boa explicação para o que aconteceu.  Então ele confessou: __O Papai Noel não existe de verdade. É seu pai que compra os presentes e, neste ano, seu pai não teve dinheiro para comprar o presente que você queria.  Que decepção! Também foi difícil para ele descortinar aquela realidade.  A frustração foi grande.  Daquele natal em diante, ele passou a nos levar à loja para escolher os presentes de Natal. Um detalhe importante: os presentes nos eram entregues somente na noite de Natal, mas éramos nós mesmos que escolhíamos o que iríamos ganhar.

O EGO, nesta fase do desenvolvimento, precisa de momentos como este, nos quais passa por frustrações, mas logo em seguida começa a se reorganizar.  À medida que isto acontece, o ego vai se tornando mais forte. A partir de vivências como esta que o psiquismo se estrutura e se organiza, para mais tarde, na fase adulta, vivenciar as grandes decepções de maneira positiva, centrada e saudável.

Mas ao contrário, hoje, os pais perderam a condição de fazer desta forma. Meu pai, com recursos limitados, não teve outra opção, a não ser me fazer enfrentar a realidade.  Se fosse hoje, aquele presente caríssimo seria dividido em 24 vezes no cartão de crédito e eu não teria vivido uma experiência que contribuiu para fortalecer minha estrutura de EGO.  Imagine que, durante toda uma vida, há eventos frustrantes no caminho de todos nós. Decepções, altos e baixos são normais em qualquer história de vida.  O EGO saudável se frustra e se reorganiza, quando ele aprendeu a fazer assim. Do contrário, vai pensar em suicídio a cada intercorrência triste  (rompimento de namoro, reprovação no concurso, perda de emprego, e por aí vai). O mais adequado seria que das experiências “ruins” extraíssemos lições para a própria vida.

É bem verdade que ninguém vai frustrar a criança de propósito, as circunstâncias da própria vida já farão isso, a não ser que os pais atrapalhem.  Lamento por aqueles que podem realizar todos os desejos dos pequeninos, alimentando uma onipotência narcísica, enfraquecendo as estruturas psíquicas dos filhos, promovendo, no futuro, um sujeito emocionalmente frágil.

2 thoughts on “28-FRUSTRAÇÃO

  1. Carlos Barbosa says:

    Muito bom Amigo Álvaro em compartilhar conosco um pouco de sua própria história de vida e nos conscientizar de que a criação dos filhos deva ser pautada com menos fantasias. Nas adversidades do dia a dia e aos poucos colocando em foco na educação da criança a realidade da vida para que venham a contribuir para o fortalecimento e amadurecimento dos futuros indivíduos adultos, inclusive para a formação de uma sociedade mais forte e consciente.

    • Alvaro says:

      Obrigado pelo feedback Carlos, apenas gostaria de comentar sua resposta assinalando as fantasias infantis como importantes e necessárias para a criança. Elas não são o problema, mas sim o esforço dos pais para ofertar o que não está dentro de suas condições em nome de um bem estar, de uma ideologia de que o filho precisa ter aquilo que os pais não tiveram, para serem felizes. Este sim é um dos grandes problemas que está enfraquecendo a estrutura de EGO das futuras gerações.

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