De ZERO A SEIS – O mundo em pequenas doses. Foi o tema de minha última palestra para pais, professores e cuidadores. Foi uma apresentação longa, no entanto, por mais que eu tenha caprichado nos detalhes, muito deixou de ser dito àquela plateia tão seleta. Quero dedicar este espaço para apresentar minha percepção sobre aquele dia.
Em primeiro lugar, para você que não assistiu a palestra, foquei na faixa etária de zero a seis, por se tratar da fundação da personalidade. Sim, é na primeira infância que o sujeito vai vivenciar as primeiras relações afetivas que servirão de base para a construção do real quando na vida adulta. Esta fase também é conhecida como socialização primária, talvez uma das mais importantes. Os primeiros a entrarem em cena são pai e mãe, ou melhor, mãe e pai (nessa ordem, rs). O núcleo da família, protagonizado pela mãe, neste momento, dará as boas vindas ao bebê através da maternagem qualitativa. Quando falo assim, refiro me a uma mãe abnegada, doadora, que se dedica com prazer à amamentação e a manter seu bebê o mais próximo possível de si, pois é disto que ele precisa neste momento. Ao reconhecer os afetos positivos de sua mãe, se sentirá amado, percebendo o mundo como bom. Lembre-se que o primeiro mundo que o bebê tem contato são os braços de sua mãe, seus cuidados, a atenção que dispensa à maternidade. O bebê não pensa, mas sente. Ao ser recebido com alegria e admiração, nutrirá sentimentos positivos sobre o mundo, percebendo-o como bom. Aos bebês que choram muito, por causa de cólicas ou outros motivos, após medicado, não custa lembrar que o colinho de mamãe também é um excelente remédio. Os estudiosos do desenvolvimento já descobriram que deixar a criança chorando no berço, a todo vapor, pode trazer sérios prejuízos afetivos a sua personalidade. Mas quando nos primeiros dezoito meses são vivenciados uma maternagem qualitativa a criança desenvolve, segundo o modelo psicossocial de Erik Erikson, confiança básica, a capacidade de ser crédula, olhará a vida de forma esperançosa. Isso é o que se poderia resumir desta fase. Lembrando que, quando qualquer uma das fases não são vividas adequadamente, há um prejuízo qualitativo tanto no plano afetivo como no social.
Em segundo lugar, acompanhando o relógio maturational, que nem sempre acompanha o relógio cronológico, a criança passará à outra fase do desenvolvimento, onde receberá as primeiras cobranças sociais, isto é, as expectativas de seus pais quanto ao controle de suas necessidades fisiológicas. Observe que, após os dois anos os bebês já andam com relativa autonomia, falam algumas palavras e frases, mas ainda precisam se livrar das fraldas. Um caminho está sendo traçado rumo à independência, à autonomia, que terá seu apogeu nesta fase quando o bebê desfraldar completamente. O amadurecimento do psiquismo em breve dará um salto qualitativo digno de comemoração, quando a criança aprender a controlar os esfíncteres, pedindo para ser levada ao banheiro. Os pais, então, economizarão com as fraldas descartáveis, logo, a comemoração dar-se-á pelo amadurecimento da criança e pela consequente economia com as fraldas (rs). No entanto, entenda o que representa as fezes do bebê para o bebê: as fezes são as suas primeiras produções, das quais ele não tem a menor noção de que podem ser nojentas, fedorentas, horríveis sob a compreensão adulta. Quando os adultos se referem às fezes do bebê de forma pejorativa, o sentimento do bebê é de constrangimento por ter produzido um material que está sendo rejeitado. É como se ele mesmo fosse rejeitado. A criança, sentindo que seus produtos são maus, nutrirá um sentimento de vergonha, ou questionará suas próprias realizações. Por outro lado, se seus produtos não receberem a crítica impensada dos adultos, mas se forem bem recebidos e esta fase for bem vivida (com a criança ouvindo elogios de suas primeiras realizações e conquistas), se ampliará o sentimento de segurança e apego da fase anterior, como também brotará um sentimento de autonomia, fazendo com que a criança se aproprie de suas capacidades de realização.
Em terceiro lugar, dando mais um passo no relógio maturacional, agora, entre os quatro e seis anos, uma nova fase se inaugura. A fase dos parquês, das perguntas que alguns adultos, despreparados, não sabem responder, pois não se colocam no lugar da criança. Por exemplo, se a criança pergunta __como eu nasci? Ela não está perguntando sobre sexo, mas apenas como ela nasceu. Se você responder que ela saiu da barriga da mamãe, provavelmente, se contentará com a resposta e em seu mundo de fantasia imaginará como isso se aconteceu. Não se deve mentir para crianças, mas se deve contar o que precisa ser contado de forma que ela entenda. Veja este exemplo: Certa vez fui chamado para dar a notícia de que o pai de uma criança de cinco anos havia sido esfaqueado e morrido em seguida. Eu ainda não conhecia de psicologia, mas tinha a noção que jamais aquela história tão trágica caberia na mente infantil. Disse a ela que seu pai precisou fazer uma viagem repentina e não deu tempo de se despedir de ninguém. Mandou que eu a avisasse e que ela se comportasse muito bem enquanto ele tivesse fora. A criança apenas ficou olhando para mim, calada sem manifestar nenhuma emoção. Vinte anos depois, encontrei-me com ela. Perguntei sobre aquele episódio. Agora, já era um homem feito, casado e com um filho. Ele respondeu que não lembrava nem do pai biológico, nem da conversa que tivemos, sempre se entendeu como filho do padrasto que assumiu a função paterna. É lógico que a incapacidade de vivenciar o luto marcou aquela personalidade com um prejuízo afetivo, e de alguma forma as fantasias infantis foram acionadas naquele momento. Hoje, pensando como psicólogo, imagino que teria sido muito pior, no caso daquela criança, especificamente, conhecer os detalhes daquele assassinato. A mente infantil precisava ouvir de forma que pudesse compreender.
Na última fase da primeira infância, entre quatro e seis anos, aproximadamente, a criança dirigirá seu interesse às diferenças anatômicas. Num primeiro momento, segundo o modelo psicanalítico, a fantasia infantil nega a ausência do pênis na menina. Momentaneamente, as meninas tem fantasias de que o clitóris vai crescer, tal como o pênis dos meninos, ou que ela possuirá o seu próprio pênis de algum outro jeito. Mas graças ao processo de maturação intelectual e ao desenvolvimento da percepção, as meninas perceberão que só os homens tem pênis. O masculino é definido pela presença do pênis e o feminino pela ausência. A posse biológica do pênis, (segundo Freud em 1923, “A organização genital infantil” ) protagoniza fantasias de poder, conquista, força, que caracterizavam grupos masculinos primitivos, os quais encontram eco até os dias de hoje.
Bem, os vínculos com a mãe e os vínculos com o pai, nesta fase evolutiva da sexualidade, segundo o modelo freudiano, ainda não caracterizam a atração genital homem-mulher, pois outras variáveis entrarão nesta equação. No entanto, não custa lembrar que a atração masculino-feminino é uma relação biologicamente determinada, porém precisa se estruturar através dos modelos de identificação que serão apresentados ao longo das primeiras fases do desenvolvimento.
Em síntese, esta foi a palestra. Ficou clara, para o grupo expectador, a necessidade do retorno ao tema, principalmente sobre o que acontece entre quatro e seis anos (a fase fálica descrita por Freud, e a fase das iniciativas descrita por Erikson).
Até o próximo texto…