30 – MASSACRE NA ESCOLA RAUL BRASIL

Não é hora de julgar ninguém e mesmo se fosse, o espaço da psicologia não é apropriado para tal prática, mas é preciso procurar entender o que aconteceu, ou o que está acontecendo com a juventude do nosso pais.

O massacre na escola Raul Brasil é um episódio dos mais chocantes e aterradores que se tem notícias no Brasil. Outros episódios semelhantes ocorridos no nosso país possivelmente não apresentaram o grau de maldade empregado pelos dois jovens autores da tragédia em Suzano.

Dentre tantas perguntas, uma ficou engasgada em cada um de nós: o que levou dois jovens de uma pacata cidade do interior de São Paulo atirar a esmo com tamanha frieza e crueldade? É evidente que seria uma inocência de nossa parte imaginar que exista uma resposta simples para esta pergunta. Poderíamos responsabilizar os pais dos moços sem ao menos conhecê-los, ou responsabilizar a escola por não ter tratado, de forma adequada,  temas como interações humanas e perspectiva de futuro ou, ainda, mencionar a inexistência de políticas de segurança pública, especialmente nas escolas. E, nessa linha simplória, responder a pergunta seria resolver a questão apontando um culpado.

Acho interessante o comportamento das autoridades e da mídia quando cai um avião. O esforço para se encontrar a caixa preta e desvendar a causa de tudo, na maioria  das vezes,  pode custar muito caro para a empresa aérea. O que surpreende é que será pago o preço que for necessário para se descobrirem as falhas, sejam humanas ou não, porque tudo que a empresa aérea não quer é colocar em risco outras vidas humanas, outras aeronaves e a manchar ainda mais a sua reputação.

Muitas vezes, na aviação, medidas investigativas e de reparação nascem de tragédias pelas quais não existem sequer sobreviventes. Todos morreram, piloto, tripulação e passageiros, mas ainda assim é necessário encontrar as falhas. Óbvio, você diria, existe a apuração da responsabilidade civil, os trâmites das indenizações, os riscos que outras aeronaves análogas possam estar correndo, ou seja, existe todo o aspecto da materialidade do caso. Então, impulsionado pelo medo de sofrer os prejuízos dos danos morais e materiais, o mercado aéreo cuida para solucionar o caso com a maior brevidade possível.

Voltemos ao crime em  Suzano. Diferentemente do esmero das investigações no âmbito da aviação, temos ali um crime hediondo cujos agentes se matam no final. Todos estão perplexos, delegados, policiais, prefeitos, governadores, o MEC, a sociedade do país, a mídia e até o mundo. Porém paira uma sensação coletiva de “não há mais o que se fazer já que os homicidas se suicidaram”.

No máximo, individualmente, cada cidadão arriscará a resposta para a pergunta  lá de cima responsabilizando A, B ou C pela barbarie.

No entanto, dificilmente uma família do interior, de uma cidade pequena e pacífica, por pior que tenha sido sua atuação no desenvolvimento da prole, conseguiria um resultado deste, com um jovem de 17 e outro de 25 anos matando colegas de classe sem motivação que justifique. Uma escola, com um corpo docente maravilhoso como a Escola Raul Brasil  (segundo a fala dos alunos sobreviventes), por maiores que tenham sido suas falhas, jamais produziria um resultado catastrófico como este. Quanto à cidade de  Suzano está longe de ser considerada uma cidade violenta, com  8,7 homicídios a cada 100 mil habitantes, a cidade exala paz e segurança.

Assim, nem a família, a escola ou a cidade são os vilões dessa história triste. Então, podemos desconfiar daquilo que também foi ventilado nas mídias por ocasião do massacre: os jogos eletrônicos e a influência da internet. Em muito menor grau, se culpou os games pelo acontecido, sendo veementemente rebatida a suspeita por pessoas do bem que também jogaram vídeo games na adolescência e juventude e, nem por isso, viraram sociopatas assassinos.

Levando em consideração que tudo e todos tem o poder de influenciar, como também tudo e todos estão sujeitos às influencias externas, não podemos mais fazer “vista grossa”  às influencias que chegam pela internet através dos sites de conteúdo impróprio para crianças e jovens em desenvolvimento da personalidade, formação do caráter e construção dos valores que conduzem o ser humano ao desenvolvimento de suas potencialidades para o bem.  A exposição indevida dos conteúdos que circulam pela internet podem ser facilmente acessadas por crianças e jovens, porém, até o momento, isso não entra na equação oficial para dar explicações a acontecimentos como este.

Na reportagem de Elisa Martins de 14/03/19 em O GLOBO (on-line),  apresenta as evidencias de como os conteúdos inadequados para crianças e jovens podem influenciar, sim, muito mais do que pensamos. Se meu filho de trinta anos discordar de que os jogos eletrônicos sejam o motivo da violência em Suzano pelo simples fato de que ele jogou jogos eletrônicos e não virou um homicida, eu diria que ele não serve de parâmetro. Lá em casa existiam regras para se jogar, seleção de jogos que podiam ser vistos e tempo máximo de exposição. Sem contar que os jovens de 10 anos atrás tinham acesso a muito mais coisas interessantes que concorriam com a internet, que a geração de jovens de hoje. Hoje a internet é simplesmente o topo do entretenimento.

Voltando novamente ao caso de Suzano, foram encontrados um caderno com frases em inglês exaltando o isolamento, o desenho de uma pistola, de uma caveira que PARECIA com o símbolo da banda de heavy metal Slipknot, (curioso que mostraram fotos de tudo, mas não da caveira, deixando-a passar despercebida, hummm?), como também textos relacionados a video games e estratégias de jogos. Contudo, a maior evidência que estavam agindo sob forte influência de games violentos foram os trajes e as armas que utilizaram na chacina: além da arma de fogo, portavam uma machadinha e uma besta (arco e flecha), ambos são armas de diversos jogos de combate que simulam o realismo do campo de batalha.

Claro que o simples fato de brincar com game violento não faz de alguém necessariamente um assassino. Ocorre que esta exposição influencia sim. Então vejamos: a violência está dentro de todos os seres humanos e é extravasada das mais diferentes e criativas maneiras. A exposição massificada à violência, à vulgaridade, à maldade dessensibiliza o melhor de todos os homens.  Inclusive, em psicologia, essa exposição intensa se chama “Dessensibilização Sistemática”: uma técnica para tratar fobias muito utilizada nas abordagens de terapia comportamental. Nesta técnica, a aproximação continuada, gradativa e sistemática do objeto fóbico ajuda o sujeito a superar a ansiedade provocada por um evento ou objeto. Nessa linha, a aproximação continuada, gradativa e sistemática do estímulo gerador do medo dessensibiliza o paciente.  Por analogia, a aproximação continuada, gradativa e sistemática de qualquer estímulo o torna familiar, deixando de causar estranhamento, medo ou repulsa.  Então, podemos afirmar que a exposição continuada, gradativa e sistemática que chega através de filmes, novelas, vídeos, músicas e games que apresentam conteúdo violento, vulgaridade e apologia ao crime, nas condições que já descrevi, são inadequadas a crianças e adolescentes.

Se a família, a escola ou a cidade de Suzano foram culpados na tragédia, eu diria que não exatamente porque, afinal, uma nova era de relações virtuais e perigosas se instaurou na atualidade e o mundo todo negligencia isso.

Mesmo as núcleos familiares mais atentos  ainda não estão devidamente conscientes desta realidade. Até noutro dia o perigo estava nas más companhias do filho, nas ruas, nas festinhas. O perigo estava além dos muros da casa. Hoje, o perigo está no quarto dele e, como uma sombra, o acompanha por todas as horas do dia e da noite.

Infelizmente, aquelas vidas, incluindo as dos assassinos, foi aquele avião que caiu de forma repentina. Precisamos insistir em reparar as falhas que ocasionaram este desastre. Que aquele massacre brutal e desnecessário que houve em Suzano sirva de alerta para outros eminentes que já se anunciam. Reconhecer  esse traço tecnológico e cultural da modernidade como um vilão já é um bom começo. Muitos outros desdobramentos disto estão ainda ocultos naquela “caixa preta” e precisam ser estudados e revelados para que nossos filhos e filhas venham alçar vôos em segurança. Uma discussão franca sob o tema à luz do conhecimento técnico/psicológico só vem contribuir para o deslinde da questão. Mais difícil do que responder sobre a causa, seria mesmo trazer a solução ao problema e, só para exemplificar, alguém aqui acha  fácil tirar o filho já viciado em eletrônicos da frente da telinha? Mas isso é assunto para um próximo texto.

1 thoughts on “30 – MASSACRE NA ESCOLA RAUL BRASIL

  1. Eduardo says:

    Acho que colocar a internet e jogos violentos como os atores principais deste acontecimento é muito pouco, talvez não seja nem coadjuvantes, creio que o relacionamento familiar e social contribui de forma fundamental para casos emblemáticos como este. O acesso a internet e suas variáveis é uma realidade sem volta, isso felizmente ninguém controla. Pergunto: e toda violência que aconteceu antes do advento chamado internet? É o mesmo que afirmar que o pecado de Adão e Eva aconteceu por conta da maçã, não existia internet!! O mal existe é ele vai se manifestar com ou sem internet. A família precisa está atenta aos sinais, posso liberar 24 horas de acesso e ter a convicção que meus filhos já mais cometeram tais maldades, pelo simples fato de serem forjados a não se interessarem por violência, por jogos violentos talvez sim.

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