Ainda na segunda infância, falemos agora da importância das brincadeiras.
Quem dá bola para uma brincadeira? Pois é… o que, no senso comum, não se tem consciência é que brincadeiras estão repletas de conteúdos inconscientes, revelações ocultas sobre o ser aparecem nas diversas brincadeiras porque precisam ser escoadas para o meio externo. Com as crianças, não acontece diferente. Elas vão brincar não somente porque têm prazer nisto, mas também para expressarem suas frustrações, ódio e cólera. Aproveito para fazer um parêntesis e dizer que este tema, a importância da brincadeira, está presente não só na segunda infância (aproximadamente de 7 a 11 anos) como também em todas as fases do desenvolvimento infantil, ou seja, da infância à adolescência. Vamos ao texto.
Partiremos da ideia comum de que crianças brincam por prazer, pois ninguém duvida disso. Crianças gostam de correr, falar alto, expressar-se alegremente. Achamos sempre que estão agitadas, indo de um lado para outro, numa correria incansável. No entanto, é mais difícil para o adulto compreender que crianças também brincam para dominar angustias, ansiedade, para escoar impulsos agressivos, lidar com as frustrações inconscientes. Quando o ambiente é saudável, as brincadeiras agressivas, dentro de um limite tolerável, devem ser suportadas, apesar de representarem um grande transtorno para os agredidos. Por outro lado, quando a situação tende a sair do controle dos cuidadores, os responsáveis pela criança devem ser orientados a procurar ajuda profissional. Quando me refiro à ajuda profissional, entendo que os pais deveriam entrar em psicoterapia antes de enviarem os filhos ao psicólogo, porque as crianças são respondentes ao meio em que vivem, ou seja, se dentro de casa estiver tudo em “ordem”, a criança tende a estar em “ordem” também.
Aliás, tenho uma hipótese de que os problemas que temos com as crianças, se devem muito ao fato dos pais de hoje serem diferentes dos da primeira metade do século passado. Aqueles precisavam simplesmente repetir modelos familiares e assim as novas famílias também nasciam com os mesmos valores, tradições e costumes. Havia uma estabilidade que era passada de geração a geração. Mas nos últimos trinta anos, com as relações entre pais e filhos cada vez mais fluidas, diversas influências externas chegaram para competir, corrompendo o paradigma da família como o conhecemos no passado. Uma consequência disso é a sociedade cada vez mais angustiada, deprimida e precisando de socorro. Os pais de hoje são inseguros. Sem modelos a serem repetidos, perderam o “norte” e, ainda, precisam agir de forma adequada às novas questões que surgem ligadas à vida moderna e aos avanços frenéticos da tecnologia contemporânea.
Mas voltando a falar da brincadeira.
Segundo Winnicott as angustias da infância, quase que frequentemente, estão presentes na brincadeira e quando em excesso leva a criança à brincadeira compulsiva ou repetida, uma busca exagerada aos prazeres que pertencem àquela brincadeira. Os excessos de um tipo único de brincadeira são um sinal de alerta podendo envolver compulsão, angústia e ansiedade. O natural seria a criança brincar diversificadamente e algo diferente disto deve ser objeto de observação dos pais.
A brincadeira também traz outro aspecto interessante: a frustração. Lembro-me de minha mãe com aquela frase clássica de final de tarde: __Álvaro, Marco e Julio, hora de parar com a brincadeira para tomarem banho. Pronto! Uma tristeza tomava conta de mim e meus irmãos. Nós argumentávamos: __Ah…deixa só mais um pouquinho. Dependendo do dia até havia prorrogação. Como a brincadeira lida com o escoamento destes sentimentos de ansiedade e angustias, sempre que este processo é interrompido gera desprazer, o que não é ruim, pois quando o adulto interrompe a brincadeira pelas razões que lhe parecem convenientes, frustrando a criança, também está contribuindo para a formação de uma estrutura de EGO mais forte, já que confrontam o prazer de brincar com a realidade: a hora do banho, a hora da escola, a hora de dormir e etc. Desta forma, a criança demonstra sua frustração pela cessação do prazer, mas logo se recompõe. Ao fazer este movimento, aprenderá a se reequilibrar emocionalmente em várias outras situações da vida adulta.
A brincadeira, por fim, é importante à medida em que promove as primeiras organizações dos diversos papeis sociais e relações emocionais que serão vividos na fase adulta. Aliás, é oportuno citar que a brincadeira, além dos trabalhos manuais (artísticos em geral) e a prática religiosa, também contribui para a unificação e integração da personalidade. Vale lembrar que já é pacificado entre os estudiosos do desenvolvimento que a brincadeira relaciona o funcionamento físico com a vivência das ideias, ou seja, o mundo interno com o externo, o que equivaleria dizer que brincar traz saúde física e mental.
No limite de um texto pequeno, é o que se poderia dizer sobre a importância da brincadeira. Ficam para as próximas oportunidades o detalhamento do tema, como: a importância das primeiras brincadeiras com as mães, a importância dos irmãos na brincadeira, as brincadeira do filho único, dentre outros submetas que engrossam a abordagem de um assunto tão vasto como esse: brincadeiras de criança.
As brincadeiras da infância perduram por toda a vida. Lembranças agradáveis de momentos inesquecíveis, onde ao reencontrarmos hoje os amigos de outrora, inicia-se longas conversas e risos.
Como é bom todas as etapas da vida.
Ter sido criança é uma das melhores.