35-A SEGUNDA INFÂNCIA – A Latência e as Relações Sociais

A segunda infância ou fase de socialização escolar, aproximadamente de 7 à 11 anos, coincide com o Período de Latência descrito por Freud. Um interstício entre a primeira infância, onde as organizações afetivas já se encontram elaboradas segundo a teoria psicanalítica, e a puberdade, abrindo a fase genital.  Esta Latência é o período de relativa estabilidade, é quando o complexo de Édipo começa a se dissolver, ou seja, a criança percebe que seus desejos e anseios pelo genitor do sexo oposto não podem ser concretizados, assim começa a se identificar com o genitor do mesmo sexo. Se tudo correu adequadamente nas fases anteriores, a libido empregada no complexo de Édipo, agora na latência, será canalizada para as relações sociais e para os institutos epistemofílicos, ou seja, o desenvolvimento do pensamento e da socialização.

Aqui iniciam-se as primeiras saídas para fora da família. As brincadeiras agora são diferentes das anteriores, porque a criança brinca com os amiguinhos, e, juntos, constituirão suas próprias regras. Em um primeiro momento, meninos andam com meninos e meninas com meninas, num segundo momento um novo arranjo surge privilegiando as características comuns (interesses afins), que mais tarde serão suporte para as identificações grupais adolescentes.  É necessário que os pais frequentem lugares comuns para facilitar o encontro destas crianças, como, por exemplo, as dependências sociais dos condomínios, a escola, o clube, as quadras esportivas, o local comunitário de reuniões.

Estes ambientes são o cenário para a construção desde as primeiras regras, com estruturas rudimentares, até as regras de socialização adulta.  Nesse cenário acontecerá  a luta pela liderança. Para tanto haverá demonstração de força, coragem e esperteza, bem como  episódios de domínio, agressão e de segregação.  Por outro lado, em um grupo saudável, serão comuns episódios de camaradagem, luta pelo companheiro mais frágil e a união por um objetivo grandioso, do tipo, conseguirem permissão para irem ao cinema sozinhos,  sem a presença dos pais.

É interessante como muitas atitudes de bravura estão relacionadas ao confronto com as regras de segurança dos pais. No entanto, quando os pais fazem um trabalho suficientemente bom nas fases anteriores, seus valores não são suplantados pelas novas regras do grupo infantil.  Às vezes a criança demonstra uma atitude que é interpretada como confronto, quando na verdade é o exercício da estabilização de traços incipientes de identidade.

Todavia, quando uma criança se afasta muito da ideologia dos pais ou do contexto social em que se encontra, há duas hipóteses prováveis a serem consideradas: a) sintoma de caráter defensivo, visando a proteção de uma defasagem evolutiva já percebida pela própria criança, ou seja, ela se sente inadequada, se sente inferior ou diferente do grupo; 2) uma reação sintomática de incapacidade, agora, fruto das ambiguidades vividas pelos próprios pais, ou seja, os pais são instáveis. Nesse contexto, estão os pais que brigam na frente dos filhos, não cumprem o que prometem, têm atitudes incoerentes e conflituosas entre si, dentre outros exemplos.  Nesta configuração, uma criança, por exemplo, pode vir a desenvolver dispraxia (transtorno de aprendizagem caracterizado por má coordenação motora e problemas de orientação espacial), como também pode tornar-se uma criança hiperativa (TDHA). Nestes casos, é comum que agrida os colegas de escola, se recuse a fazer as tarefas e desrespeite a professora. Bom lembrar, no entanto, que  tudo isso faz parte de um processo inconsciente para se defender da ideia de que é incapaz. Aliás, ela prefere ser conhecida como mau caráter a ser identificada como “burra”.

Nestas poucas palavras já existe extenso material para reflexão desta fase, apesar de ainda haver muito o que se dizer sobre ela. Termino resumindo que o período de latência, ou seja, a segunda infância, é consequência da repressão da sexualidade infantil, dando lugar  às atividades escolares e às relações sociais. Trata-se de uma importante fase de identificação que transcende os limites da casa. É tempo de a criança se identificar com os amiguinhos da escola, da rua, com os professores, heróis de ficção, enfim, experiências necessárias ao desenvolvimento sexual na próxima fase que virá, a puberdade.

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