44 – INVESTIMENTO INTELECTUAL X AFETIVO

O final do século XX e início do século XXI é marcado por profundas mudanças em nossa sociedade, no entanto, gostaria de pontuar apenas uma, aquela que diz respeito aos filhos. Nos anos setenta, dizia-se que as crianças  “eram o futuro do Brasil”.  Ouvi muitas vezes este jargão. Hoje, tenho 56 anos, sou parte daquele futuro e chego aqui convicto de que, para haver futuro, não basta apenas existirem crianças como diziam nossos pais e avós. Há uma segunda variável: o adulto que cuida da criança é tão importante para o futuro, quanto a própria criança.

Então, como aqueles adultos e a sua forma de criarem filhos  geraram os resultados que vemos hoje: uma sociedade desajustada, doente e corrupta?

Gilles Lipovetsky, filósofo francês, pontuou o momento em que vivemos como a ERA DO VAZIO, quando a bom foi trocado pelo belo, o ético pelo estético. Cabe aqui ressaltar que, nos últimos vinte anos, o investimento afetivo nos filhos  foi ultrapassado pelo investimento intelectual.  Pais estão muito mais preocupados em pagar uma escola cara, curso de inglês, natação, do que participar do crescimento dos filhos.  Os filhos do Século XXI, como executivos, possuem uma agenda cheia, já aos quatro anos de idade, sofrendo a pressão que devem ser “os melhores”. O que esta sociedade NÃO sabe é que os vínculos afetivos, que são FORJADOS NA PRIMEIRA INFÂNCIA, realmente, definirão o quão longe os filhos progredirão na vida.  Para que qualquer projeto vá para frente é necessário que o sujeito seja bem resolvido, boa autoestima, confiante, tenha sentimento de autonomia e iniciativa.  São características da personalidade que, quando deficientes, podem alimentar crenças limitantes, tornando inútil qualquer investimento intelectual. Dessa forma, o convívio limitado dos pais com as crianças diminuem a força dos vínculos afetivos. Crianças que vão cedo demais para a pré-escola subtraem tempo da vinculação com os pais e provavelmente terão algum prejuízo afetivo.

Eu conversava com um professor amigo, quando ele começou a desabafar sobre a falta de controle que, hoje, os professores têm sobre os alunos.  Como eu também já estive no contexto do magistério, pensava que ele se referia aos alunos do ensino médio. Qual não foi minha surpresa, quando ele disse que se referia a crianças de oito/nove anos.  Tais crianças que não respeitam professores, agredindo-os fisicamente, são oriundas de lares desestruturados, que não fizeram o vínculo afetivos com as figuras de autoridade (pai e mãe) de maneira adequada.  Portanto é impossível para tais crianças demonstrarem respeito pelos professores, já que estes valores não foram fixados.  Este fenômeno não é só da classe pobre, que precisa trabalhar e deixar os filhos com a melhor opção disponível. A classe média e alta também sofrem do mesmo problema, seus pais saem para trabalhar enquanto eles ficam ocupados em creches, pré-escolas, atividades esportivas, cursos de línguas, etc. No entanto, o que agrava ainda mais a  situação é que seus filhos têm quarto individualizado, computador, celular e TV, fazendo com que as crianças muitas vezes  estejam dentro de casa, ao lado dos pais, porém muito longe dos mesmos. Há uma pobreza de interação. 

Os pais modernos têm cuidado mais de si do que dos filhos. Quando os pais perdem o prazer do cuidado com filhos, tornam-se narcísicos. Passam a direcionar seu amor para si próprios e, consequentemente, dão foco em seus problemas. A busca pela estética torna-se acirrada e os medos surgem:  medo da cara enrugada, medo de perder o corpo jovem, medo dos sintomas do envelhecimento, etc.  Numa sociedade com sujeitos que não aprenderam a gostar de si mesmos, o grande refúgio é apelar para o senso estético e para o empoderamento social.  Nessa linha, os filhos crescem órfãos de pais afetivos. O resultado serão filhos graduados, doutores, viajados, porém adultos vazios, sem a capacidade de sentir e se colocar no lugar do outro.

O Brasil terá um futuro promissor, sim, quando os adultos voltarem a ocupar seu lugar na hierarquia familiar. Eles precisam aceitar o envelhecimento, não cabe mascará-lo para se fazerem “iguais”  aos filhos ou “amiguinhos” dos filhos. Devem assumir sua posição de superioridade nessa relação.  É urgente que os pais modernos façam o caminho de volta à ética em detrimento da estética, que criem vínculos afetivos de qualidade com suas crianças, pois esta é a única maneira de demonstrar um interesse verdadeiro por elas.

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