49 – FAMÍLIA – A Única Chance

Carlos Lira ao comentar meu texto anterior, se referindo à família,  deixa a seguinte pergunta: “A questão que gostaria de levantar é se devo considerá-la como única.  Sua importância verdadeiramente é inquestionável. Mas seria a única responsável por esse desenvolvimento? Tendo em vista, que esse indivíduo em formação, sofre inúmeras outras interferências advindas do meio em que vive, fora do quadro familiar.”

Esta questão me dá a oportunidade de aprofundar o tema, reafirmando que de fato é a única responsável por uma sociedade desenvolvida, saudável e com a possibilidade de fazer a diferença no mundo, mesmo com as “interferências advindas fora do quadrado familiar”.

Vou começar de um ponto, onde creio que todos concordam: O homem não nasceu pronto.  Caso contrário, nasceria falando, andando, lendo, escrevendo, dando opiniões, brigando e coisas assim.  Bem, se  estamos juntos nesta ideia, também concordaremos, que, se o homem não nasceu pronto, precisa de alguém que o apronte.

Pois bem, em seu nascimento se depara com a primeira sociedade da qual fará parte: a família, que neste momento é constituída por seus progenitores, irmãos, (caso não seja o primogênito) e algumas outras figuras como avós, tios e primos.  Estes dois progenitores, necessariamente, precisam assumir duas funções diante da criança, ou seja, a FUNÇÃO PATERNA e a FUNÇÃO MATERNA.  A função paterna na primeira infância, é responsável por trazer a segurança, os limites e o suporte que o psiquismo necessita para se desenvolver adequadamente; a função materna, além da atribuição de amamentar, que lhe é característica por conta dos seios, também é responsável por uma relação simbiótica, porém rumo à diferenciação. Ou seja, a criança, que nasceu fusionada a sua mãe, que entende o mundo a partir do que vive com sua mãe, à medida que se desenvolve, a reconhecerá como o outro na relação. No dia em que isto acontecer, o “EU” nasceu.  Até aqui, o pai ainda não é percebido, apenas sentido.  Podemos afirmar que ainda estamos no “primeiro capítulo”  da formação da personalidade.  A criança deve contar neste momento com aproximadamente dois anos. Esta vivência com as figuras parentais, NO PLENO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES, apresentará o mundo à criança, que pode ser bom, maravilhoso, fantástico, mágico; mas também tenebroso, ruim ou amedrontador. No entanto, a criança ainda não conhece o verdadeiro mundo, apenas o mundo que estas funções, materna e paterna, lhes apresentarem, pois sua casa e toda a CONSTELAÇÃO FAMILIAR, pais, avós, tios e primos, é o seu PRIMEIRO MUNDO.  Até aqui, acho que há unanimidade, todos concordam.

Qual é a importância deste primeiro mundo?  Levando em consideração uma máxima da sociologia de que o homem se funda no social e de que a família é a primeira sociedade da qual ele faz parte, sendo esta a responsável por introduzi-lo, gradativamente, num universo cada vez mais amplo, a família, figurará como alicerce natural, suporte para todas as relações que vierem ao longo da vida deste homem.

Então vejamos, na interação com as figuras familiares nascerá o respeito ao outro, inclusive a noção de hierarquia, que é uma noção super importante para se viver em sociedade.  Este aprendizado pode ser exemplificado numa prática antiga, que hoje está em desuso nas famílias dos grandes centros urbanos, a de pedir a bênção aos anciãos de sua casa, como uma atitude de respeito; mas também pode ser adquirida em vivencias onde alguém diz a frase: “Não faça isso, pois eu contarei ao teu pai”; ou  “Seu pai não vai gostar disso”, ou ainda “Sua mãe não espera isso de você.” Ora, o simples fato de falar assim com a criança provocará, a nível de fantasia, que aquela figura paterna invocada está investida de autoridade e capacidade de trazer a solução para a situação-problema, dando a tal figura o status de que é superior e deve ser respeitada (mesmo que não seja alguém tão respeitável assim).  Esta noção precisa ser aprendida e fixada. No entanto, o que muitos pais, hoje, desconhecem é que este aprendizado não é teórico, mas empírico.  É a exposição repetida “n” vezes em situações que cooperam para este aprendizado que fixará o comportamento respeitoso.  Ou seja, é  preciso conviver.  Este aprendizado é diário, pois é nesta relação com as figuras parentais e demais membros da família, que se fixará a noção de respeito ao outro.

Também é em casa que crianças pequenas aprendem a respeitar o que é do outro.  Sim, através daquilo que é proibido.  Crianças pequenas mexem em tudo, tiram tudo do lugar, porém numa casa sempre há aquilo que a criança não pode mexer e deve ser proibida de fazê-lo, porque os pais simplesmente não querem que ela mexa.  É o caso de uma gaveta no móvel da sala, pois a gaveta tem dono, é do pai. É o caso da bolsa da mãe, pois a mãe não quer que alguém a bagunce.

Dentro do quadro familiar, no período da primeira infância, onde personalidade, como também valores éticos e morais compatíveis com a cultura da família estão em desenvolvimento, os pais, para fim de promover a criação mais adequada dentro de seu entendimento, também tem autoridade para filtrar quais crianças frequentarão sua casa e brincarão com seus filhos, o tipo de programação de televisão e vídeos que suas crianças terão acesso.  Fora desta pequena sociedade chamada família, não é possível fazer este filtro.  Esta condição dá uma grande vantagem ao desenvolvimento de filhos que herdarão as características da família que o gerou.

Com respeito ao “EGO”, é na família que ele se estrutura. O ego não basta existir tão simplesmente, precisa se fortalecer. Já ouviram alguém dizendo que o fulano tem cabeça fraca?  Pois é, uma estrutura frágil de “EGO” pode gerar comentários assim.  Um “EGO” forte é aquele capaz de suportar frustração.

Como você acha que este “EGO” se forma?

O ego se forma na convivência familiar. Em algum momento, a criança vai se deparar com o adulto lhe retirando o prazer. Por exemplo, ela está brincando no play no final da tarde e está na hora de tomar banho para jantar.  A mãe chama, interrompendo a brincadeira, a criança questiona, dizendo que não quer tomar banho naquela hora, pois a brincadeira está muito legal.  Uma mãe “suficientemente boa”, como diria o Dr. Donald Winnicot, fará valer a sua vontade e levará seu filho para o banho.  Esta criança será conduzida debaixo de uma explosão de birra, reclamando, expressando sua raiva por terem lhe retirado o prazer.  A mãe, suficientemente boa, suportará a raiva do filho, sem tentar diminuí-la, com vãs compensações do tipo: se você tomar banho direitinho, ganhará um sorvete.  A criança precisa expressar o que está sentindo, para aprender a lidar com suas emoções/sentimentos.  Observe que não passará muito tempo após o banho e ela estará sorrindo novamente.  O que aconteceu?  Diante da frustração, o “EGO” se desestruturou e a criança demonstrou toda a sua irritação com a retirada de seu prazer, porém logo em seguida se reorganizou e a criança depois do “show” voltou ao normal. Inclusive, o fato da criança ter horários bem definidos para acordar, tomar café da manhã, almoçar, tomar banho, jantar e dormir coopera para promover situações como a descrita, e assim vai se fortalecendo o ego.  Aliás, você conhece pessoas que, na maioria das vezes, têm dificuldades em fazer escolhas? Pois é, adultos que frequentemente ficam “em cima do muro” têm grande probabilidade de ter um EGO IMATURO, pois fazer uma escolha implica em suportar a frustração de abrir mão de alguma coisa em favor de outra.  Então uma frustração na hora certa, na dose certa e na idade certa pode ser um agente de consolidação do “EGO”.

Nenhum destes valores já mencionadas, respeito ao outro, ao próximo e a noção de hierarquia, respeito aos pertences do outro, como também fazer escolhas e suportar a frustração se aprende em outro lugar, senão na convivência familiar. Estas questões são construídas internamente na criança a partir do contexto familiar. Fora da família, a criança exercita aquilo que foi internalizado junto à família.  Nessa linha, cito aqui um agravante: a primeira infância é o período crítico/sensível para este aprendizado.  Ou seja,  é o melhor momento para estes aprendizados, é o momento ótimo quando o ser humano está mais sensível aos estímulos e influências do meio.  Se por algum motivo a família for disfuncional falhará com esta missão, que é essencialmente sua, deixando déficit e lacunas na estrutura básica de personalidade do adulto que se formará no futuro.  Apenas mencionarei que a formação do SUPEREGO, estrutura psíquica que proporciona as condições para que as pessoas observem e valorizem LIMITES é formado na família.  Ou seja, sem SUPEREGO, não existe obediência às regras e sem regras não existe sociedade.

Então, resgatando o objeto que originou este texto, a ideia de que a família é a ÚNICA instituição capaz de  desenvolver uma sociedade saudável e com a possibilidade de fazer a diferença no mundo, faço algumas pergunta: Como transferir, por exemplo, esta missão para a escola?  Ou para uma ONG? Ou para a Igreja? Ou para um projeto de Governo? Nenhum destes entes reune as características obrigatórias para produzir, com a metade da eficiência, o resultado obtido dentro da família, quando seus integrantes estão conscientes de suas FUNÇÕES.

Para constatarmos a eficácia da família, não precisamos dizer, que, antigamente, ou no meado do século passado …, basta saírmos daqui das grandes cidades rumo ao interior e conheceremos famílias que ainda conseguem cumprir a sua FUNÇÃO com excelência.  Este ano, conheci uma professora que dá aula em outro estado de nosso Brasil e está morando no Rio de Janeiro há pouco tempo. Ela me falou coisas interessantíssimas, que uma pessoa da cidade grande tem dificuldades em acreditar.  Disse que na cidade onde ela é lotada, se a professora mandar chamar o responsável do aluno na escola, para falar de seu mau comportamento, virá o pai, a mãe, a tia, os avós para tomar ciência do que está acontecendo com aquele aluno.  Pasmem! Isto ainda acontece aqui, em nosso pais, hoje.

O caso é que a criança para passar para a segunda etapa do desenvolvimento, a socialização secundária, ou seja, frequentar o espaço escolar, já precisa chegar lá com noções básicas de convivência em grupo, para poder se adaptar melhor ao mundo escolar, que é maior do que o mundo de onde ela veio, a família.  A criança precisa ter como capital cultural a noção de obediência à hierarquia. Só assim ela receberá, sem estressar o ambiente, as orientações dos professores, inspetores e coordenadores. A criança precisa mudar seu comportamento quando ouvir “NÃO”; a criança precisa respeitar o outro e o que é do outro.  Estas coisas não são aprendidas na escola, nem se aprendem em livros, mas vivendo em família e, principalmente, na primeira infância.

Sendo assim, pelo pouco que apresentei e pelo muito que ainda existe para falar sobre família, reafirmo a ideia de que a família funcional é a única chance que a sociedade tem para se constituir de forma saudável.

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