Não existe uma fórmula para criar filhos, ou uma cartilha no estilo passo a passo, pois cada ser humano é único em sua subjetividade. É um grande engano achar, que, se deu certo, algum procedimento na casa de um amigo, necessariamente dará certo em todos os contextos. O fator humano fará toda a diferença. Por outro lado, por não existir um padrão, não quer dizer que não exista a forma mais adequada para exercer a maternidade/paternidade dentro de uma dinâmica que se encaminhará para o sucesso. Sendo assim, se existe o mais adequado, que possibilite alcançar os resultados mais promissores, é nisto que precisamos refletir. Portanto neste ano de 2020 proponho-me, novamente, a lançar foco nas questões ligadas aos pais, infância e adolescência; aprofundando ainda mais todo conteúdo que já apresentei nos últimos 49 textos neste blog.
Todo ofício, tarefa ou trabalho depende de um aprendizado, de uma escola ou de um treinamento. Ser pai e mãe, em nossos dias, deixou de ser uma habilidade aprendida através da imitação natural dos modelos familiares para ser um aprendizado dependente de leituras, discussões em grupo, palestras e, quem sabe se já não é o caso, de salas de aula para adquirir conhecimento técnico e tirar dúvidas.
Bem, o primeiro ponto a retornar é o fato de que o desenvolvimento é um acontecimento contínuo na vida da criança, orquestrado pelo relógio da maturação, que gira sem parar, sem descanso nem nos feirados (rs), existe a todo momento e está levando a criança de “vento em popa” ao seu destino, uma viagem que parte da total dependência de seus cuidadores até a total independência. Quando tempo durará? Dependerá de muitos fatores, no entanto, considero que a habilidade/conhecimento dos pais neste processo fará toda a diferença.
Por ocasião do parto, o bebê sobreviverá a grande ruptura, quando for separado de sua mãe, sendo retirado do paraíso chamado útero, ganhando um corte à sangue frio no cordão que era a ponte entre ele e sua mãe. Uma cena dramática dá início a vida extra-útero do bebê. A paz, o conforto e o suprimento representado pelo útero desaparecem e o bebê precisará chorar para se relacionar com o mundo aqui fora. No primeiro choro o ar entra em seus pulmões pela primeira vez, um instinto inato o coloca diante dos seios de sua mãe, que o alimentará nos primeiros meses desta jornada rumo à independência. É através da boca, nesta primeira fase de sua vida, que o bebê conhecerá o seu mundo, aliás o seu novo mundo. No primeiro momento, ao incorporar o leite e o seio materno sentirá a mãe dentro de si. Depois levará tudo o que puder a boca também, uma forma de fazer vínculos com as primeiras identificações. Este movimento de incorporar o mundo através da boca, mas também de lançar fora os restos inúteis ao organismo através das fezes, inaugura os primeiros mecanismos adaptativos da mente humana, ou seja, os mecanismos de introjeção e projeção. Enquanto no contexto fisiológico o bebê incorpora, através da boca, alimentos e vários outros objetos, o psiquismo introjeta todo o cenário a sua volta, todo o clima e ambiente que o cerca. Por exemplo, o ambiente agitado, tenso, agressivo ou calmo, tranquilo, pacífico serão introjetados no psiquismo da criança, que se adaptará a esta dinâmica de relacionamento. Igualmente o ambiente estrutural da casa da criança recém nascida, até aproximadamente o fim do primeiro ano de vida, deve ser conservado sem alteração, de móveis, utensílios, cores das paredes, para que a estabilidade do ambiente seja incorporada ao psiquismo do bebê. Em resumo, no primeiro ano de vida muito contribuirá a “política da mesmice”, ou seja, o mesmo cuidador, a mesma casa, os mesmos móveis, a estabilidade dos horários de sono, vigília, banho e alimentação contribuirão para as primeiras noções de regularidade. É neste contexto que a criança precisa de pais suficientemente bons, como dizia Winnicott, para impor esta dinâmica de regularidade, que é, inclusive, encontrada em vários exemplos na natureza. Fazendo assim, os pais já deram o primeiro passo para que, mais tarde, a criança aprenda a obedecer.
Portanto não negligencie o primeiro ano de vida do bebê achando que “ele não sabe nada”, pois é por não saber nada que introjetará, rapidamente, tudo o que estiver a sua volta.