Ao contrário do que muita gente pensa, quando o ser humano nasce, o “ser” psíquico propriamente dito ainda não nasceu. As mamães dão à luz a possibilidades de existências, dão à luz à estrutura biológica, que vai abrigar um ser psíquico. Parece complicado e sei que é difícil para algumas pessoas aceitarem, mas o neném que já nasce com nome escolhido e o enxoval pronto, que é inscrito no plano de saúde, amado pela família, somente nascerá, de fato, quando o “ser” psíquico nascer, através do surgimento do “EU”. Isto acontece por volta dos dois anos, se tudo correr bem nestes primeiros anos de vida social do bebê. Digo social, mas refiro-me ao relacionamento restrito com as figuras familiares e parentais com o protagonismo da mulher que exercerá a função materna, a principal responsável pelo nascimento do eu. Caso você duvide, procure na internet o caso do menino Victor de Aveyron (1788-1878) que foi perdido na floresta e achado somente por volta de seus doze anos. Viveu na companhia dos lobos nas florestas de Aveyron, portanto não passou pelo processo de socialização primária, sendo assim, não aprendeu a falar, somente emitia grunhidos como os lobos e não se reconhecia diante de um espelho. Um padre que o observava diariamente deixou escrito em suas observações o seguinte: “Se possui sensações, não desembocam em nenhuma ideia. Nem sequer pode comparar umas às outras. Poderia pensar-se que não existe conexão entre sua alma ou sua mente e seu corpo.” (Shattuck,1980). O Doutor Fhilippe Pinel, pai da psiquiatria, o diagnosticou com “idiotia”, uma patologia da época que o impedia de ser socializado. Bem, se o “Eu” viesse desde o nascimento com SER, este menino teria dado graças a Deus por ter sido encontrado aos doze anos perdido na floresta, vivendo como um animal. Afinal de contas ele não pertencia aquele reino de lobos. Ou pertencia?
Se você já entendeu que o SER é uma construção social e que em seu primeiro momento depende das figuras parentais, ou de cuidadores com as funções materna e paterna, estamos em um bom caminho. Basta agora se perguntar que mãe ou que pai eu tenho sido para contribuir na formação da personalidade de meu bebê? Isto é o que está em jogo nos primeiros anos de vida, aproximadamente, os seis primeiros anos.
O bebê, antes do “EU” é fusionado a sua mãe, esta ligação fica mais evidente para o bebê por causa da amamentação. No primeiro momento, reconhece a mãe apenas pelo seio. Um reflexo inato o leva a sugar o leite materno e continuar ligado a sua mãe de forma análoga ao estado uterino. Aos poucos, reconhece a mãe como um todo, um pouco mais e reconhece a mãe como o outro na relação, e se, agora, o outro existe, o “EU” também existe. É nesta interação com a função materna que o bebê se percebe pela primeira vez como um indivíduo. Para acompanhar este desenvolvimento no nível cognitivo, experimente deixar um lápis e uma folha para que faça um lindo desenho. Caso sua criança lhe apresente uma figura circular fechada, o “EU” já nasceu; isto quer dizer que já reconhece o outro na relação. No nível perceptual, faça um risco de Baton vermelho em sua bochecha, apresente lhe um espelho e veja a reação da criança. Se a criança levar a mão ao rosto por ter visto seu reflexo riscado no espelho, então, outra evidencia do nascimento do “EU”.
Por que isso é importante saber? Antes do nascimento do “EU” tudo o que a criança faz é puro reflexo, ou defesa. Sendo assim, não se sustentam as ideias tais como: está fazendo birra!, já entende tudo!, tem um gênio!, já é malcriado desde que nasceu, e etc.
Concluindo é na interação com as figuras parentais ou com os primeiros cuidadores, que tais reflexos ou defesas são moldados, ou seja, prosperam ou não se desenvolvem, se transformando mais tarde em traços de personalidade. Em poucas palavras é nesta dinâmica de relações entre reflexos/defesa com a função materna/meio que nasce o “EU”.