Esta semana vi uma foto no facebook de uma mãe demonstrando seu carinho por seu filho, beijando-o na boca, o famoso selinho. É uma prática cada vez mais frequente, entre pais e filhos na infância. Os comentários eram os mais variados desde “Que fofo!” até “isso é um absurdo!” No entanto, todos tinham algo em comum, eram meros “achismos”. Uns achavam linda a demonstração de amor pelo filho e aplaudiam, outros teciam suas críticas à atitude inovadora daquela mãe. Bem, toda prática deve ser ancorada em uma teoria. É a teoria que me garante, ou prevê o resultado final. Sem uma teoria funcionando por trás de uma prática, é apenas um experimento que pode dar em qualquer resultado.
Nessa linha vou explicar o porquê o selinho na infância é inadequado. Segundo a teoria psicanalítica, o bebê quando nasce é puro prazer. Isto quer dizer que tem prazer ao ser tocado em toda parte de seu corpo, por isso gostar tanto de colo (rs). A psicanálise usa o termo libido para descrever a energia sexual que impulsiona o ser humano. Por sua vez, o bebê não tem cognição suficiente para entender que está se alimentando e caso não se alimente, morrerá. Por isso o ato de sugar é inato e também prazeroso. Esta energia, chamada libido, então, concentra-se na boca, ao que Freud denominou de fase oral, levando a criança a ter uma grande satisfação no ato de mamar. Primitivamente, é assim que ela obtém prazer de seu ambiente. Mas, em verdade, ela está apenas se alimentando.
Com a maturação, que chega com o tempo, a libido se desloca para uma segunda área importante, o ânus. A criança agora estará empenhada no aprendizado do controle dos esfíncteres do corpo, ou seja, do controle do cocô e do xixi. Todo seu esforço e atenção estarão voltados para esta área, que simbolicamente representa autonomia. Então veja, a criança já anda, já domina a estrutura básica de sua língua materna lhe possibilitando falar algumas frases, e para completar precisa, agora, assumir o controle total do corpo.
A próxima fase é a fase fálica. A libido aqui estará voltada para as grandes descobertas: com respeito a sua origem, a criança quer saber como nasceu; com respeito ao sexo, a criança perceberá as diferenças anatômicas entre meninos e meninas, pois até aqui meninos e meninas não se percebiam diferentes. Esta percepção servirá de base para a construção de sua identidade sexual na adolescência.
Após a fase fálica, Freud identificou esse momento e o chamou de Período de Latência, ou seja, quando a libido está latente. A criança, geralmente, entre sete e onze anos, se voltará às atividades sociais, é a fase escolar, aprendizado da leitura e escrita, a criança será pró-ativa, e será descrita como uma criança tranquila, boazinha, cooperativa e etc.
Bem, este caminho que descrevi para a libido parte do princípio que todas as vivências infantis, até aqui, foram satisfatórias.
A próxima fase de evolução da libido será a fase genital, quando o foco da satisfação será concentrado nos genitais. A criança estará no período da puberdade. Sua infância foi recalcada no período de latência, ou seja, foi relegada ao inconsciente. Tudo o que aconteceu, quando vem à consciência, vem como vaga memória, distorcida, fantasiada e coisas assim.
Voltando ao selinho, motivo pelo qual apresentei resumidamente o caminho da libido, o jovem, agora está na fase genital. Neste momento já entende o valor real do ato sexual, apreendendo com seu meio que o ato sexual em si tem etapas preliminares, a começar na sedução, passando pelo beijo na boca (um sinal de comprometimento), chegando à relação sexual propriamente dita. Assim o jovem construirá um significado de conotação sexual para o beijo na boca. Lembremos que, na infância, a criança não tinha condição de dar este significado, nem nenhum outro. Faltava-lhe estrutura psíquica que viria com a maturidade e não com os ensinamentos.
Veja como fica agora: a criança na puberdade concebe um significado para beijo na boca, ou seja, um ato de erotismo. Por outro lado, há um resquício de memória daqueles selinhos da infância como flashs. Ela não sabe muito bem como isso acontecia, nem qual teria sido a sua intencionalidade, apenas tem alguma memória neste sentido. Logo, há a possibilidade de uma interpretação equivocada por parte da criança, agora adolescente. Então, me responda honestamente, vale a pena o risco?
Nesta linha, fica a dica aos papais e mamães amorosos, há muitas outras formas para demonstrarem afeto pelos filhos. Não transforme o desenvolvimento de seu filho em uma experiência social.