Chamou-me a atenção uma postagem do Site Crianças Especiais com a manchete assim: “Mesas com bicicleta para crianças com hiperatividade são usadas em uma escola canadense.”
A foto acima foi retirada do próprio site, forneço URL no final deste texto. Incrível, crianças de 4 a 8 anos são submetidas a esta mesa-bicicleta e com quinze minutos pedalando tem a diminuição dos sintomas da hiperatividade. A inovação está sendo aplicada em uma escola em Quebec, chamada Des Cédres. A ideia é que as crianças hiperativas mantenham-se em movimento, queimando a “energia” que, teoricamente, esteja sobrando. Esta inovação está sendo vista com bons olhos pelos profissionais de educação, podendo ser considerado uma terapia alternativa, diminuindo a quantidade de remédio para controle do déficit de atenção. Vale a pena você ler esta matéria.
Bem, gostaria de apresentar uma reflexão sobre o TDAH, que não segue o pensamento majoritário sobre a questão das crianças hiperativas. Esta questão é delicada, pois já existe um consenso formado de que TDAH é um Transtorno Psiquiátrico (F 90) descrito em detalhes no DSM-V, com uma sintomatologia muito clara. No entanto, o que não se leva em conta é que tais sintomas foram identificados a partir de observações e não através de exames, o que fragiliza sua fundamentação, já que, se o fundamento está na observação dos sintomas na criança, para sermos honestos deveríamos considerar, além da criança, o meio em que ela está sendo observada, ou seja, sua casa, a sala de aula, a escola, a infra-estrutura, como também a subjetividade do observador.
Nesta linha, percebo um certo interesse de que a infância esteja sendo patologizada. Numa sociedade capitalista sem escrúpulos como a nossa, levantar esta hipótese não é um absurdo.
Agora, acompanhe-me neste raciocínio. Segundo Astrid Lingren, escritora Sueca do século passado, mundialmente reconhecida por sua contribuição na literatura infanto-juvenil, para usar literalmente suas palavras, escreveu assim: “…o fato é que o comportamento das crianças é determinado por sua percepção de si próprias e do mundo que a rodeia.” Apesar de estar corretíssima, esta afirmação vinda de uma escritora de histórias infantis, por mais consagrada que tenha sido, não tem o peso suficiente para resolver nossa questão. Contudo, paralelamente, vários outros personagens da história entendiam assim, até que um psicólogo, pesquisador, professor universitário, de cidadania alemã, bateu o martelo sobre a questão e formulou o que conhecemos, hoje, como a TEORIA DE CAMPO DE KURT LEWIN.
Lewin foi um pesquisador, classificado pela revista General Psychology como o 18º psicólogo mais citado do século XX. Sua maior contribuição foi a demonstração de que há uma interdependência entre o sujeito e o grupo em que está inserido. Em sua Teoria de Campo, o que gera o comportamento nas pessoas é a soma total dos fatos ocorridos e coexistentes em determinada situação. Em outras palavras, cada fato influencia e é influenciado pelo ambiente e pelo todo.
Com um exemplo dá para entender melhor, então vou contar uma história: Na década de 80 eu era um dos cinco professores de Língua Portuguesa de um Colégio privado. Era um colégio bem grande já naquela época. Eu dava aulas todos os dias na parte da manhã de 7:00 às 12:00. Duas turmas de 5 série, uma 6 série, uma 8 série e uma turma de Básico. Aproximadamente sessenta alunos por sala. Na hora do recreio, os inspetores ficavam super preocupados com as crianças que corriam no imenso pátio, pois a brincadeira oficial era o pique-esconde, pique-cola, pique-tá. Uma gritaria sem fim, muita agitação. Após o recreio, principalmente os meninos, estavam suados de tanto correr e se dirigiam às salas, agitando tudo e todos. Bem, no conselho de classe, cada professor tinha um tempo para expor sua percepção da turma, falar dos alunos-problema e dificuldades em geral. Ganhava destaque a bagunça generalizada que a maioria das turmas fazia, principalmente, a 5 série que contava com alunos de 9 e 10 anos. As professoras falavam de seu estresse, que os alunos eram desobedientes, que não conseguiam dar aula, e coisas assim. Eu ficava constrangido em dizer que em minhas aulas não havia estresse, que eu dava aula tranquilamente em todas as turmas, principalmente na quinta série, que, por sua vez, me elegia professor representante todos os anos. Qual era o meu segredo? Eu era legal com os alunos. Como assim “lega”? Legal no sentido de que eu mantinha a lei e a ordem dentro de sala de aula. Os que sentavam na frente, não eram atrapalhados pela bagunça dos de trás, porque havia um protocolo a ser executado se houvesse bagunça. Quando eu estava apresentando a matéria, se alguém conversasse neste momento, sem estresse, eu pedia que o dito aluno continuasse minha explicação, pois se não estava prestando a atenção é porque sabia toda matéria. Quando alguém não fazia o dever de casa, tranquilamente, era encaminhado à secretaria. Nunca gritei com nenhum aluno. Nunca entrei em sala de aula enquanto todos não estivessem sentados. Mantendo a turma dentro dos limites razoáveis da disciplina o ambiente se tornava previsível, baixando a ansiedade, potencializando o aprendizado, incentivando a boa convivência e a harmonia entre todos.
Esta foi a sacada de Kurt Lewin, quando você troca um elemento no ambiente, você alterou o Campo Psicológico, então, o ambiente muda em ralação aquele elemento, pois tudo é parte de um todo, tudo influencia e é influenciado. Ou seja, para cada professor, a turma se comporta de um jeito diferente.
Então mudar o nome dos alunos que anteriormente eram conhecidos como bagunceiros, desinteressados, rebeldes para TDAH, no mínimo, para mim, é uma forma de anular a influência do ambiente da sala de aula, da escola, como se o aluno fosse o único responsável e o ambiente a vítima.
Voltando ao DSM-V, (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), que apenas descreve os transtornos, no Capítulo F90 (TDAH), após a sessão Critérios Diagnósticos, existe uma outra sessão que as pessoas geralmente não lêem. Chama-se Características Diagnósticas, que termina assim:
“É comum os sintomas variarem conforme o contexto em um DETERMINADO AMBIENTE. Sinais dos transtornos podem ser MÍNIMOS ou AUSENTES quando o indivíduo está RECEBENDO RECOMPENSAS FREQUENTES POR COMPORTAMENTO APROPRIADO, ESTÁ SOB SUPERVISÃO, ESTÁ EM UMA SITUAÇÃO NOVA, ESTÁ ENVOLVIDO EM ATIVIDADES ESPECIALMENTE INTERESSANTES, RECEBE ESTÍMULOS EXTERNOS CONSISTENTES, OU ESTÁ INTERAGINDO EM SITUAÇÕES INDIVIDUALIZADAS.”
Observe que é dito que “os sinais do transtorno podem ser MÍNIMOS OU AUSENTES” de acordo com “DETERMINADO AMBIENTE”. Sendo assim, há perguntas que precisam de respostas: Seria este transtorno (TDAH) uma forma de justificar ambientes inadequados para crianças? Seria uma forma de defesa para minimizar culpas? Ao que me parece, afirmar que uma criança é TDAH sem levar em conta o ambiente, é no mínimo, uma fala ideológica, fatalista e capitalista, que alimenta vários interesses, inclusive o da mesa-bicicleta.
REFERÊNCIAS
- https://www.criancasespeciais.com.br/mesas-com-bicicleta-para-criancas-com-hiperatividade-sao-usadas-em-uma-escola-canadense/
- pt.m.wikipedia.org (TEORIA DE CAMPO)
- DSM-V; tradução Maria Inês Corrêa Nascimento; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli…[et all]. – 5.eD – Porto Alegre: Artmed, 2014.