55 – O MALCRIADO

Estou sempre às voltas com pais, que me pedem orientação sobre a criação de seus filhos. Outro dia estava relendo as perguntas que respondo no grupo PAIS EM REFORMA. Observei que a questão relacionada à disciplina e obediência é mais comum do que se imagina. O controle dos filhos tem sido um desafio para muitas famílias. Inclusive chamou-me a atenção os pais que fizeram perguntas deste tipo: “Meu filho é ou está muito rebelde e malcriado, gostaria de saber por que deste comportamento?”  Fiquei pensando, inconscientemente quem faz uma pergunta assim não sabe que sabe a resposta. Pois a resposta está contida na própria pergunta, quando afirma que seu filho está tão “mal-criado”.

É exatamente porque a habilidade de criar filhos foi se perdendo ao longo do desenvolvimento social, que os pais da atualidade encontram-se tão necessitados de conhecimentos básicos sobre este tema.

Na verdade, no início do século passado, este conhecimento, que habilitava homens e mulheres a desempenharem bem seus papéis junto aos filhos era intrínseco a todos que cresciam no contexto familiar. Tais conhecimentos eram passados nos círculos concêntricos de convivência, ou seja, nos primeiros anos a mãe, o pai, e avós eram os protagonistas das primeiras relações; na sequência, os irmãos, os primos e as pessoas mais distantes do núcleo familiar como vizinhos; por último, a socialização escolar.

Ir para a escola era um grande salto qualitativo no mundo das relações, pois anunciava que aquela criança estava pronta para a vida social fora de casa, um mundo radicalmente diferente do mundo familiar.  A criança já chegava à escola conhecendo a relação hierárquica com os mais velhos, sabia usar pronomes como senhor e senhora para as pessoas de respeito, sabia agradecer se utilizando da palavra “obrigado”, conhecia a palavra “NÃO” e seu significado. É justamente no primeiro mundo infantil, no mundo familiar, que a criança formava sua base de personalidade, como também educacional, para poder habitar o espaço escolar, o mundo de relações exteriores à família.  Estes valores, que no início do século passado norteavam toda uma vida, até então, eram passados de pais para filhos na vivência das primeiras relações.

Com o passar do tempo, as crianças começaram a frequentar a pré-escola, cada vez mais cedo para acomodar os novos ritmos de vida de seus pais. Depois vieram as creches, para os mais desafortunados que não podiam abrir mão do trabalho em prol de alguns preciosos anos ao lado do filho.  Sendo assim, o convívio com a família, no momento mais importante do desenvolvimento humano, existiu nas últimas três décadas precariamente.  Ou seja, os pais de crianças pequenas de hoje, principalmente nos grandes centros urbanos, foram crianças que cresceram nesta atmosfera familiar de relações fluidas. Provavelmente passaram por diversas mãos, tipo babás, creches, escolinhas tipo maternal, onde em sua maioria, ressalvando as exceções, não houve comprometimento afetivo.  Nessa linha de raciocínio, encontramos algumas explicações para uma sociedade cada vez mais desconectada de valores, de limites e de afeto.

Os pais, cada vez mais desorientados com respeito à criação das próximas gerações, são incapazes de promover uma base de identificação satisfatória para o filho.  Sendo assim, o jovem, com uma infância afetivamente empobrecida, sem ter passado satisfatoriamente pelos processos de identificação com a vida adulta, acorda para o mundo na adolescência sem uma base moral, ética e afetiva que lhe dê sustentação para uma vida profissional, espiritual, sexual e emocional.

É neste contexto que faz todo sentido uma frase de Cortela: “Não é só a educação dos filhos que é necessária, mas a dos pais também.”

Os pais de hoje precisam abandonar o orgulho e procurar ajuda, fazer leituras enriquecedoras, sobretudo os pais de crianças pequenas. Tudo o que é feito na infância é uma plantação, a colheita está na adolescência.  Pais de adolescentes, que não têm como voltar atrás e consertar o passado, precisam aprender a lidar com sua nova realidade com paciência.

Ser honestos o suficiente para assumir erros na realização desta tarefa, criação de filhos, pode não ser fácil, então, procurar a meia culpa, ou se enganar e deixar “rolar”, parece ser uma opção menos dolorosa. No entanto, nada mais perigoso e doloroso que deixar um navio à deriva. Mais cedo ou mais tarde, baterá na pedra. Você sabe nadar? Pois é, talvez você saiba, mas seu filho provavelmente não terá preparo suficiente para vencer as ondas desse mar.  Esta metáfora me chama a atenção para a responsabilidade que deveríamos ter com os pequenos e mais fracos que estão sob a nossa guarda.

Aproveito este texto para falar do grupo PAIS EM REFORMA . Um espaço de aprendizado, onde me disponibilizo a esclarecer dúvidas de pais e cuidadores à luz dos conhecimentos da psicologia. Você pode entrar no grupo preenchendo o formulário na página principal deste site ou me pedir o link de entrada pelo meu WhatsApp +55 (21) 99944-5848.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *