“…não acredito mais em sistema nenhum,…” Esta é um trecho da fala de Sérgio Harfouche, promotor da infância e juventude publicado em 10/10/16 no site topmidianews.com.br. Harfouche alerta sobre o número alarmante de adolescentes e jovens que consomem bebidas alcoólicas. Também diz “Se os pais não passarem valores dentro de suas casas, fatalmente no futuro, esses jovens vão estar envolvidos em infrações com a polícia, ou vão estar em cemitérios.” Por esta fala, percebe-se o tamanho gigantesco de nosso problema como sociedade. Não falo exatamente de jovens usando álcool, mas da descrença que Harfouche expressa nos “sistemas” que deveriam amparar os jovens em situação de risco, tais como: políticas públicas, escola, centros de recuperação de menores, religião, ongs, e por aí vai… Em sua crítica vê como a única solução os pais, quando diz: “Se os pais não passarem valores dentro de suas casa,…”.
Concordo, mas não é tão simples assim. Como se fosse possível uma conscientização a nível nacional dos pais e, de repente, tais pais, com medo que os filhos se envolvessem em delitos, reunissem as condições de transmitir tais princípios. Até porque, só é possível transmitir aquilo que se têm, que lhe pertence, o que se vive. Jovens e adolescentes estão assim, justamente, por ter havido uma falha em nosso passado como sociedade, que os impediu que fossem melhores.
Estes pais, que Harfouche indica como a salvação, também foram filhos de outros pais que no processo de criação também deixaram um deficit. Aqui, estou falando de educação, que cada vez mais tem sido terceirizada para a pré-escola, ou para as babás. Quando falo em EDUCAÇÃO, falo no ensino de limites, boas maneiras, respeito aos mais velhos, não tocar no que é proibido, obedecer a palavra “NÃO”. Estas coisas tão simples são a base que permitirá a criança entrar de forma satisfatória na socialização secundária, o ambiente escolar e também na vida. O problema de hoje é que os pais mais novos, sem um modelo estável para copiar, como era, por exemplo, em meados do século passado, precisam reinventar a maternidade/paternidade. Ora, nenhum problema em simplesmente reinventar, no entanto, não é isso o que acontece.
Para alguém “re-inventar” alguma coisa, precisa partir de algo já inventado, pois se assim não o fizer, também não estará “re-inventado.” Caso não parta de algo pré-existente estará inventando, e como toda invenção é um caminho nunca antes percorrido, muitos passos são dados na base do ensaio-erro. Assim estão sendo criados os filhos de hoje: no ensaio-erro. A minoria dos pais tem uma teoria sólida em conhecimento sobre infância, ou receberam uma base como herança familiar. A grande maioria está fazendo um experimento de ensaio-erro com os filhos, pois não partiram de lugar algum. Ora, quem não sabe de onde vem, também não sabe para onde vai. E se não sabe para onde vai, parodiando a fala do gato em Alice no Pais das Maravilhas, “qualquer caminho serve.”
Agora, acrescente a isto, os desafios enfrentados pelas famílias monoparentais, onde, geralmente, a mãe também tem de ser pai; acrescente as famílias com filhos de pais no segundo casamento, que precisam se adaptar a valores diferentes com a chegada do novo membro, que, inclusive, nem sempre é aceito no primeiro momento; acrescente também as famílias onde pais separados praticam alienação parental. Depois de tudo isso, será que alguém espera que as crianças aprendam valores e princípios nesta “salada social”? É um desafio quase impossível.
A verdade é que nossa sociedade perdeu o modelo familiar tradicional, no sentido freudiano, ou seja, filhos se desenvolvendo num ambiente favorável onde pai e mãe exercem funções distintas. Quando estas funções não são representadas adequadamente, o resultado está aí no social, principalmente nos grandes centros. Acredito que Harfouche esteja correto, quando chama a responsabilidade para os pais, a família é o único sistema capaz de estancar a sangria, no entanto precisará re-aprender a ser família.