Ainda agora pela manhã alguns foram pegos de surpresa em saber que não há ônibus, inclusive desde ontem, ônibus com destino à cidade do Rio de Janeiro, um dos focos da epidemia Covid 19 no Brasil. Por este motivo e por outras medidas também adotadas para inibir a circulação de pessoas, o dia de alguns pais que estava super ocupado com uma agenda de trabalho, precisou ser reprogramado. Nessa linha, pais que antes não tinham tempo para interagir com sua criança, de uma hora para outra, ganharam o dia todo. Quero aproveitar estes dias de redução de contato social para falar da importância de brincar com os filhos, já que a todos é recomendado permanecer em casa.
O que representa o brincar para uma criança? No modelo psicanalítico, o ato de brincar para a criança é uma forma de ir em buscar de prazer. Elas têm prazer, ou seja, gostam de todos as formas de brincadeiras que praticam ou inventam. Isto é fácil de perceber, porém mais complicado seria entender que, por trás da brincadeira, existe uma necessidade em dominar angústias, controlar idéias e impulsos. Nessa linha, brincadeiras compulsivas, repetitivas, falam de como esta criança está lidando com seu ambiente. Quando o adulto permite, incentiva, contribui e participa na brincadeira está contribuindo com este “escoar” destas angústias. Digo escoar, comparando a um movimento catártico, que libera ressentimentos recalcados e desagradáveis.
Lembro-me da cena de um menino que brincava com outras crianças, numa brincadeira de posto de gasolina, com vários carros enfileirados, friccionava fortemente seu carrinho no chão e quando chegava na fila da gasolina batia e empurrava os demais carrinhos, numa atitude muito agressiva, dando risadas por ter espalhado os carros e desmanchado a fila. Esta criança estava transformando em “ato” o que não tinha condição de dizer em palavras. A mãe, desconcertada com as risadas e a “bagunça” promovida, chamava a atenção dizendo: “Não brinca assim, você está desarrumando tudo”. Mal sabia aquela mãe que para aquela criança era a forma lúdica de falar de sua angustia. Reconhecer o “não falado”, simbolizado na brincadeira infantil, pode ajudar muito aos pais a entenderem as demandas de seus filhos.
Brincadeiras de criança necessitam que os adultos promovam um ambiente capaz de tolerar os sentimentos agressivos infantis, dentro de certo limite, é claro. Adultos não precisam ensinar a criança a brincar pacificamente, e, sim, entender que brincadeiras agressivas, muitas vezes, são sintomas de um ambiente agressivo. Portanto, não é repreendendo a criança, que se acaba com a brincadeira agressiva. Se a brincadeira te incomoda, pacifique as relações do ambiente em que a criança vive. Com um exemplo se explica melhor: Quando meu filho tinha uns cinco anos, aproximadamente, morávamos próximos de meus cunhados e sobrinhos que na época eram pequenos também. Nosso ambiente familiar era tranquilo. Daniel e o primo se entendiam muito bem e brincavam em todo o tempo. Em dado momento, passamos a perceber que ele e o primo estavam ficando muito agitados, com ênfase em brincadeiras violentas. Observei um certo desenho que eles gostavam de assistir e que incentivava por demais as lutas e a violência. O comportamento violento do Daniel diminuiu bastante, quando eu e minha esposa proibimos a exposição excessiva ao desenho. Lógico que, ao estabelecer esta proibição, rolou um pequeno estresse, mas suportamos sua cara feia e protestos, que depois passaram. O clima do ambiente não é só promovido por pessoas, muitas vezes televisão e, hoje, mais comumente pelos vídeos e games da internet. Daí a necessidade da vigilância dos pais, pois esses conteúdos fazem parte desse ambiente infantil.
Sendo assim, se você hoje precisou ficar em casa e tem filhos pequenos ou adolescentes, que tal pegar uma carona nessa guerra contra Coronavírus para se aproximar mais dos pequenos? É uma boa oportunidade para interagir com eles. Ressignificar esse momento tenso e transformá-lo em brincadeiras saudáveis e criativas é uma excelente programação.