Em continuidade à série ‘INFÂNCIA – O QUE ESTÁ EM JOGO?’, neste texto chegamos à terceira fase do desenvolvimento dentro da teoria de Erik Erikson. Trata-se de um modelo psicossocial, dividido em fases que Erikson chamou de crises normativas, ou seja, Erikson diz que em cada crise normativa um aspecto da personalidade está se formando. Na primeira crise vimos a confiança básica, na segunda crise abordamos a autonomia e hoje, neste texto, falaremos da terceira crise, a que Erikson chamou de INICIATIVA X CULPA.
Esta crise normativa de Erikson corresponde a terceira fase de Freud em seu modelo psicossexual. Estamos falando, então, do período entre três e seis anos, quando fecha a primeira infância.
Nesta fase, a criança é descrita como aquela que está ligada em 220v, tem muita energia, que é extravasada através de brincadeiras que privilegiam a correria. A criança se envolve em atividades exploratórias, começando a perceber seu potencial. Observa os adultos e os imita, razão pela qual os adultos que convivem com crianças nesta idade devem compreender que elas estão aprendendo o funcionamento do mundo social através do comportamento dos sujeitos que estão ao seu redor. Logo, atenção, adultos! É bom ficar atento àquilo que você não quer que seu filho aprenda, especialmente, no que diz respeito aos hábitos que você julga nocivos. Por exemplo, temos a situação de pais que reprovam a fala de palavrões por filhos pequenos, seria algo vexatório vê-los falar palavrões, principalmente, no contexto estranho ao da família. É muito comum ouvirmos dos pais envergonhados a frase: não sei onde ele aprendeu isto! Ora, é a partir da observação de seu próprio meio que fluem as primeiras identificações em todos os sentidos, inclusive, na fala de palavrões. Logo, se no ambiente no qual é criada a criança, os paradigmas são de conversas cordiais, de fala polida e em tom respeitoso, a fala da criança seguirá este mesmo padrão. Se no meio familiar existem pessoas educadas, que se respeitam e são capazes de amar o outro apesar de suas falhas, a criança entenderá que é amada pelo que é e não pelo que faz, desenvolverá sentimentos positivos de autoestima, autoaceitação e iniciativa. Enfim, o comportamento da criança é de resposta ao seu meio de convivência.
Até os seis anos, nesta fase estruturante da personalidade a configuração ideal é que a criança permaneça no círculo familiar, liderada pelo protagonismo de sua mãe auxiliada por seu pai, na convivência de irmãos, avós, tios e primos. Na sequência da ampliação das primeiras relações, após a família de origem, virão os vizinhos, pessoas próximas às famílias, os amigos e em terceiro lugar, já no final da primeira infância, a escola. Aliás, abro um parênteses, para lembrar que o desenvolvimento é um processo que está vinculado ao “relógio maturacional”, adiantar este relógio é queimar etapas importantes. Aqui podemos citar um exemplo clássico: o movimento de pinça dos dedos só estará pronto aos sete anos de idade, quando a criança terá dominado todo o esquema de movimento corporal que engloba equilíbrio estático, dinâmico e habilidades motoras. Logo, a escolarização antes dos cinco anos, no estilo creche, jardinzinho ou pré-escola, é absolutamente prematura se levarmos em conta a maturação. É bem verdade que algumas crianças, uma vez estimuladas, são alfabetizadas aos quatro anos, aparentemente uma vantagem sobre as demais que não foram, mas ninguém que eu conheça fez pesquisa para levantar as consequências, a longo prazo, de tal “avanço”. No entanto, hoje, temos algumas perguntas sem respostas, tais como: por que antes de 1920 não há registros significativos de jovens tentando suicídio e hoje parece que é moda? Por que hoje temos surto de crianças diagnosticadas com TDHA? Por que hoje temos jovens que precisam tomar ansiolíticos e antidepressivos? São perguntas que só serão respondidas através de pesquisa longitudinal. Porém, não custa lembrar que estas patologias modernas não apareciam em estatísticas quando as crianças utilizavam o tempo, que hoje é gasto na pré-escola, com o convívio qualitativo com os pais, que atenciosamente ouviam histórias antes de dormirem, brincavam de rabiscar, picar papel, barquinho de papel, gaivota de dobradura, cantigas de roda, piques e outras brincadeiras similares.
Observando a própria história do desenvolvimento ao longo das décadas, dá para desconfiar que as mudanças na criação de filhos na era moderna têm trazido muito mais prejuízos que benesses.
Se a criança tiver liberdade, porém com limites para brincar, receber a atenção e o reforço adequado através de elogios em suas conquistas, tiver oportunidade de expandir sua criatividade e, quando for corrigida, sentir que, apesar da repreensão, também existe amor, será mais tarde um adulto bem resolvido, com iniciativa, ou seja, com possibilidades de realização plena de suas capacidades no desempenho de suas tarefas.