Este é o último texto da série INFÂNCIA – O QUE ESTÁ EM JOGO?- na qual apresentei o desenvolvimento da primeira infância em uma visão psicodinâmica, mais especificamente sob o olhar de Érikson e Freud. Neste texto, foco nas idades de quatro a seis anos. Tão importante quanto todos os demais momentos do desenvolvimento, está em jogo aqui, no final da primeira infância, as identificações sexuais. Freud chamou este interstício de fase fálica, quando a libido tem como foco os órgãos genitais. Mas por favor, peço a você que tenha um olhar psicológico para esta fase do desenvolvimento, lembrando que tudo será visto sob a ótica da criança e, como venho demonstrando desde o início, a criança não pensa como adulto. Ela não tem ainda estrutura cognitiva para tanto, seu olhar continuará imaculado para a vida, sem os atravessamentos da sexualidade adulta. As identificações com as figuras parentais são apenas prévias que se aperfeiçoarão na fase genital invocadas posteriormente pela adolescência.
Toda criança, seja menino ou menina, inicialmente será fortemente ligada à sua mãe. Nasceu de sua barriga e nos primeiros meses, até que surja o EGO, lá pelo dois anos, será fusionada a sua mãe como se fosse uma só pessoa. Na estrada do desenvolvimento humano, caminha-se da total dependência das figuras parentais para a independência. A cada fase um ganho e a qualidade deste ganho dependerá das relações com o meio.
Esta criança, agora vou falar sobre o menino especificamente, que teve como suporte afetivo inicial a sua mãe, a mulher que lhe estava mais próxima, sentirá uma atração natural como consequência deste proximidade. Esta atração é adaptativa, cria condições psíquicas para o futuro estabelecimento do vínculo genital, e permitirá que os institutos sexuais, na adolescência, se organizem para a busca do objeto de desejo adequado.
Bem, concretizado o vínculo afetivo com a mãe, aparece a figura do pai como figura competidora. Lembram daquela cena do casal sentado no sofá da sala e o filho pequeno se metendo no meio? Pois é disto que estou falando. Lembram daquela vontade de dormir na cama da mamãe? Também estou falando disto. O fato é que a criança percebe que o pai faz bem a mãe, pois dormem trancados sozinhos no quarto, são parceiros, confidentes. O pai faz bem a sua mãe e sua mãe se sente amada por ele. O pai também trabalha e provê o sustento da criança, provê a proteção, o carinho e também os castigos e os limites. O pai a protege e decide seus caminhos, impõe-lhe regras e normas para a vida. Em outras palavras: Ele é “o cara”. Faz lembrar o pai totêmico no princípio das relações humanas, quando ele era senhor absoluto do grupo e interditor da posse das mulheres. Pasmem! Funciona assim em todas as culturas do mundo e entre os mamíferos mais desenvolvidos. A regra geral é que um macho dominante tenha a posse do grupo e exclua os filhotes assim que alcançarem a maturidade sexual. As histórias mitológicas estão também recheadas de mitos que apontam para esta realidade humana, a saber: a luta pelo poder e a posse da mulher.
Este poder, esta força, o desejo de conquistar estão definidos no psiquismo pela dimensão fálica, ou seja, pela posse do pênis, que organiza as fantasias e atividades masculinas. Então, ser fálico significa ser ativo, conquistador, poderoso. Assim, a figura paterna se configura, na fantasia infantil, como um competidor que atrapalhará a concretização do desejo do menino, ou seja, ter a posse da mãe. A ligação amorosa de pai e mãe, as carícias, a cumplicidade, o status do pai que a mãe invoca diante do menino, como também o medo de perder tudo o que significa ser fálico ( ter o poder , a atividade e a conquista), gradativamente, preparam a construção do choque de realidade que levará o menino a se identificar defensivamente ao pai. Lembra de um ditado assim: “Se você não pode com ele, junte-se a ele.” É desta forma que o menino tentará chamar a atenção de sua mãe para si, imitando aquele que ela (a mãe) admira e lhe faz bem.
Já com a menina, Freud explica a sexualidade de outra forma. No início, através de um erro de percepção anatômica, o clitóris é fantasiado como se fosse um pênis, que ainda vai crescer tal como o dos meninos. Então, num primeiro momento, a sexualidade feminina também é fálica, pois o clitóris é um correlato do pênis. No entanto, esta percepção inicial é frustrada pela realidade (opa, me tiraram o pênis!) e a menina se entende como castrada. Sendo assim, a menina se lança a conquistar o órgão tão valorizado e tudo o que ele representa: poder, força, atividade. A menina, então, dirige sua afetividade para o pai, em busca não exatamente de sua pessoa, mas do que ele representa. Nesta escalada de conquista, descobre os vínculos afetivos entre o pai e sua mãe. Tal descoberta a leva introjetar os valores femininos representados por sua mãe e assim torna-se, em fantasia, atraente para o pai.
Aos pais que têm filhos nesta fase (de quatro a seis), as poucas palavras que expus até aqui são suficientes para que entendam como funciona a dinâmica do psiquismo no processo de construção das primeiras identificações, porém é importante lembrar que a identidade sexual se concretizará somente na adolescência, por ocasião da inauguração da fase genital, segundo o conceito freudiano, e que há outros atravessamentos que entram nesta equação além do já apresentado neste texto.
Já finalizando, desde o primeiro texto desta série (22 – INFÂNCIA – O QUE ESTÁ EM JOGO?) apresentei as fases que todos os seres humanos atravessam, no processo de construção da personalidade e percepção do real. Tentando resumir a paternidade/maternidade de maneira qualitativa, ou seja, que formará cidadãos saudáveis para um futuro melhor do que temos hoje, ousaria fazê-lo em quatro palavras: conhecimento, amor, limites e equilíbrio.
Ah, sim, antes que alguém critique a abordagem freudiana da sexualidade, não podemos esquecer que a teoria da sexualidade formulada há cem anos por Freud sofreu críticas no decorrer da história. No entanto, outros estudiosos que construíram teorias absolutamente divergentes, embora ganhando espaços em bibliotecas e universidades, jamais alcançaram a mesma importância e expressão que Freud teve e tem até os dias de hoje no meio acadêmico. Para se ter uma idéia, antes de Freud , não há sequer um conceito clínico de sexualidade, nem abordagens científicas profundas sobre o assunto.