O desenvolvimento é uma característica de todos os organismos vivos. Desde plantas, pequenos e grandes animais, até chegar ao ser humano, ninguém foge à regra, pois, após o nascimento, o desenvolvimento, de forma positiva ou negativa, é uma consequência natural de estar vivo. Nesse sentido, estamos em constante mudança, ou melhor dizendo, desenvolvendo ao longo de toda a nossa existência. No entanto, é na infância que passamos pelas mais bruscas alterações psíquicas e estruturais de nossas vidas. Existe uma instabilidade programada e natural, que os teóricos do desenvolvimento, didaticamente, chamam de fases, períodos, estágios etc. Na verdade, uma infinidade de nomes pode ser criada para demonstrar um recorte do desenvolvimento em determinada idade. Esta possibilidade traz à luz a ideia de que a criança, dependendo da idade, está sempre mudando. Ou seja, com o passar de pouco tempo, já é descrita de outra forma, seja no campo afetivo, social ou cognitivo.
A partir deste entendimento, quero apontar as consequências naturais quando as crianças mudam de fase, mas os pais continuam se comportando como se elas ainda estivessem na fase anterior. Alguns, por exemplo, não conseguem deixar de enxergar os filhos como seus bebês. A fase bebê é fundamental, porém passageira. Tem grande relevância por toda a vida e estará presente, de forma consciente ou inconsciente, patológica ou saudável, na vida adulta. Nesse sentido, para um desfecho mais adequado, essa fase precisa acabar no tempo certo.
Então vamos lá. Quem é o bebê e em que fase está? Apesar de cada criança ser única, quando falamos em fases do desenvolvimento, todas as crianças se parecem muito. Por isso, podemos pontuar cuidados específicos de uma forma mais adequada, ou seja, aquela que garante resultados promissores.
Nessa fase, o bebê sequer sabe que nasceu. É como se estivesse fusionado ao seu meio. Entende-se como uma extensão de sua mãe. Isso quer dizer que ainda não tem a maturidade cognitiva suficiente para perceber que existem outras pessoas ao seu redor, pasmem! Nem mesmo sua mãe. Ao nascer, do ponto de vista biológico, é um organismo que clama pela vida e precisa ser cuidado. Ainda não existe uma identidade separada de sua mãe. O bebê tinha todas as necessidades vitais supridas enquanto estava aos cuidados do paraíso chamado útero. Mas algo aconteceu: o parto, e agora precisa lidar com as mudanças.
Entre estas mudanças, a mais gritante e perturbadora de sua paz é que, uma vez nascido, necessariamente precisa se manifestar para que suas demandas de sobrevivência sejam atendidas. Então aprende a chorar. É chorando que comunica tudo o que precisa, sendo a mãe a figura de afeto por excelência nesta fase.
Já está comprovado pela neuroimagem funcional que, desde a gravidez, o cérebro da mãe está se modificando para dar conta das demandas iniciais da maternagem. É como se mãe e bebê estivessem ligados na mesma rede wifi. Não é à toa que o primeiro amor da vida de uma criança é sua mãe, e é com ela que a criança realiza os primeiros movimentos psicológicos, ou seja, clama e recebe cuidados vitais, as necessidades básicas para sua sobrevivência e conforto. O bebê tem saudades do paraíso perdido e encontra consolo nos braços desta mulher dotada de características “mágicas”, sua mãe. Inclusive, em psicanálise, o que está no foco da ideia que desencadeia o amor é quando alguém supre a necessidade do outro. Nessa linha, a primeira relação afetiva, o amor, começa tomando forma a partir dos cuidados da maternagem.
Por outro lado, o que acontece com qualquer pessoa, mesmo que seja adulta, quando todos os seus desejos são atendidos? Meu Deus! Com o tempo e a evolução do quadro, esse sujeito fica insuportável. Pois é, o bebê é o sujeito que precisa ser atendido sempre, não pode esperar, porque seus desejos estão na ordem das necessidades vitais. Não tem cognição suficiente para entender o “não” e nem esperar. No entanto, este quadro muda suavemente, como o degradê da água do mar.
Aos 2 anos, ou já próximo disso, o bebê percebe que pode ter outros desejos além da sobrevivência. É o início das vontades infantis, o primeiro passo para, em pouco tempo, alcançar a autonomia, que já é a sua próxima fase. É nesse momento que a criança começa a explorar lugares novos, bem como os proibidos com insistência; mexer em utensílios perigosos sem a anuência dos cuidadores, subir escadas sozinha e escalar os móveis e janelas da casa. Atitudes que podem ser um grande perigo se não forem supervisionadas. A criança saudável insistirá em suas vontades, pois na fase anterior todos os desejos lhe eram atendidos. Na lógica da criança, não faz sentido deixar de ser atendida como antes.
Sendo atendido em tudo na fase anterior, nasce um sentimento de onipotência. Freud deu o nome de narcisismo primário a esta fase, quando o bebê constrói sua primeira noção de si mesmo. Estamos diante da formação do EGO. Sentir-se-á importante porque já foi importante para alguém; saberá cuidar de si porque alguém cuidou dele; construirá sua autoimagem de forma positiva. Todos estes traços, que serão incorporados à sua personalidade, surgem a partir da abnegação de seus pais, cuidados de higiene e alimentação, mostrando ao bebê que ele é importante. As bases da autoestima passam por aí, promovendo relações saudáveis consigo mesmo e com os outros.
Mas Sua Majestade, o bebê, não pode se eternizar na fase narcísica primária, onde tudo é possível. Gradativamente, à medida que os desejos avançam, que as novas fases se pronunciam em resposta à maturação, os pais também precisam “passar de fase”, pois sua criança não é mais a mesma. No primeiro momento, o bebê não suportaria ser mal recebido à vida, sem a “paparicação” que necessariamente o leva para o narcisismo primário. Mas com o passar do tempo, começando aos 2 anos e avançando gradativamente, chegando no máximo aos 4 ou 5 anos, as vivências com os pais, e, mais especificamente com a mãe, devem frustrar a criança por perceber que seus pais têm outros interesses além dela. O desejo infantil não deve mais mobilizá-los como antes. Sendo assim, a criança passa por pequenas frustrações ao reconhecer que algo lhe falta. “O que está acontecendo?” pensa a criança. Antes era engraçadinha e conseguia seduzir sua mãe como se fosse por magnetismo. Mas, à medida que cresce, o olhar da mãe saudável é dividido com outros interesses. Quando isso acontece dessa forma, em psicanálise afirmamos que um EGO consistente nasce na criança. Pois é um EGO que consegue passar pela frustração e não sucumbir diante da decepção.
O EGO se forma em qualquer circunstância. Não é o EGO que está em jogo. Toda a questão gira em torno da ideia do tipo de EGO que surgirá.
Então vamos supor que o bebê ultrapassou os 2 anos de idade e agora se encontra na fase de autonomia e manifesta desejos que não podem ser atendidos, por motivos que somente os pais conhecem. É neste momento que o ex-bebê fará exigências pelo cumprimento de suas vontades através do choro. Geralmente os pais identificam este choro como manha. Ora! O que é manha, se não uma forma de comunicar desejos, utilizando sua fragilidade e apelando para o emocional?
Quando as primeiras manhas encontram pais despreparados para lidar com aquele choro “indefeso”, aquele apelo “inocente” que disfarça a chantagem, a criança, além de estar determinando os rumos de sua própria criação, também está se constituindo com um EGO frágil. Atender a todos os desejos evita frustração e enfraquece o EGO, impossibilitando-o dos movimentos psíquicos de se desorganizar e retornar ao equilíbrio.
Mais para frente, quando os pais começam a “acordar”, percebendo que a criança já os domina, tentam tomar as rédeas perdidas da criação. No entanto, agora, a criança já tem convicção de que a manha funciona e, por isso, ela insiste. A situação fica tensa e a manha se transforma em birra. Quanto mais são atendidas indevidamente, mais emocionalmente frágeis se tornam.
Em outras palavras, o narcisismo primário se perpetua e se transforma em patológico. Na vida adulta, será a pessoa que tem necessidade de admiração, ser o centro de todas as atenções, fará tudo para ser a pessoa mais importante na vida do outro, ovacionado em seu meio. E todo este sentimento megalomaníaco será regado pela falta de empatia, sendo incapaz de entender os motivos do outro em seus relacionamentos.
Este desfecho trágico tem como motivo gerador pais que perderam o “time” da passagem das fases. Quando a criança deixou a fase bebê, onde necessariamente era o centro das atenções, os pais também deveriam ter deixado o comportamento de pais de bebê e ingressado na fase seguinte, que demanda outro tipo de postura. Pois a criança de 2 anos, aproximadamente, em diante, tem vontades para além dos desejos de sobrevivência e algumas dessas vontades são inadequadas e precisam, obrigatoriamente, encontrar seus limites na fala e atitudes dos pais. Quando os pais limitam os desejos impróprios da infância, estão contribuindo para o término do narcisismo primário, modelando o adulto saudável em relação ao EGO e seus relacionamentos.