Este é o tema que eu gostaria de ter deixado para bem depois, mas para dar sequência ao artigo MODELAGEM, este assunto precisa ganhar visibilidade. Então vamos. Vivemos na era da terceirização, uma tendência que vem conquistando vários espaços no mundo dos negócios. No entanto, o tema deveria acender o alerta vermelho quando vivenciado no campo nas relações humanas, especialmente no que se refere à relação pais e filhos. Hoje, infelizmente, já não é raro pais que abrem mão da criação/educação dos próprios filhos.
A intenção aqui não é, de forma alguma, rotular pais como desnaturados, desapegados ou coisas do gênero. A questão é bem mais complexa do que possa parecer. Então, vejamos: se os filhos são vítimas da ausência de pais que terceirizam os seus cuidados, muitos pais (aqueles que não têm outra alternativa) são vítimas de um sistema opressor complicado que os fazem acreditar ser necessário o cumprimento de uma agenda de trabalho estressante, na qual a construção e manutenção dos vínculos familiares ficam relegados ao segundo plano. Seguindo esse protocolo, os pais deixam de estreitar o vínculo com os filhos, abrem mão de vivenciarem mais intensamente a rotina diária com eles, constituem cuidadores para exercerem esse papel e tudo em nome de um futuro melhor para os filhos, de uma ulterior vida de mais conforto, estabilidade e paz.
Ao pensarem assim desconsideraram que o tempo não volta atrás. Não há como resgatar o tempo perdido em se tratando de desenvolvimento humano, pois há um período crítico/sensível que se constitui o momento certo para o desenvolvimento de habilidades, aptidões e competências. O que não quer dizer que a aprendizagem não se dê em outros momentos, no entanto haverá um déficit. Em outras palavras, cada fase do desenvolvimento infantil se constrói algo que será relevante para o resto daquela vida. Quantos pais perderam a incrível experiência do balbucio das primeiras palavras, a farra na banheira, a primeira frase, os primeiros passos, o primeiro aniversário, a missão de ensinar a andar de bicicleta, o primeiro dia na escola,…? De todos estes eventos, duvido muito que as crianças tenham lembranças na vida adulta, mas lembrarão de todo o afeto que tais momentos lhes proporcionaram. Cada conquista, acompanhada da platéia mais fanática do mundo, pai e mãe, contribuirão com memórias afetivas, promovendo futuros adultos emocionalmente saudáveis, de personalidade equilibrada e bem resolvida. Quem confia a criança aos cuidados de terceiros deve assumir o risco da fragilização dos laços afetivos e seus desdobramentos.
Para que você tenha uma ideia da importância da presença qualitativa dos pais na infância de seus filhos, imagine que é neste período que se dá a formação da personalidade. Todos os teóricos do desenvolvimento humano concordam que o meio e os afetos dispensados na infância estão intimamente ligados à formação do sujeito. E se engana quem pensa que as consequências virão só na idade adulta. Não. Desde cedo, podemos notar desvios de padrão como agressividade, rejeição à escola, baixa de autoestima e, principalmente, dificuldade em respeitar limites e figuras de autoridade.
Foi-se o tempo em que se terceirizava apenas a vigília noturna do bebê no berço. Os papais contavam com a revolucionária babá eletrônica. Na maioria das vezes, antes de a babá dar o sinal, os pais já estavam ali, a postos, prontos para socorrer a criança.
Hoje os bebês estão expostos a dezenas de babás eletrônicas. São as mídias que os distraem e os acalmam. Antes do desfralde já cumprem uma rotina de até dez horas fora de casa, sob a responsabilidade de cuidadores em creches. Mais crescidos, e ainda, de fralda, já vão para escola com sua mochilas pesadas. O tempo passa, aos cinco, seis anos, já tem a responsabilidade de uma agenda lotada. De novo, sob cuidados de terceiros, lá vão eles aprender natação, judô, balé… E o que falar da aula de reforço? Por vezes, é o dia todo na escola e, já quase noite, há que se ter alguém para explicar as tarefas de casa, há que se ter alguém para fixar a matéria aprendida. Falta aos pais o tempo para levar e buscar na escola, mas o transporte escolar cumpre bem esse papel. Falta-lhes tempo de irem às reuniões bimestrais, às festas na escola e ao campeonato de futebol…Mais uma vez passa-se a bola para alguém bem chegado, ou não tão chegado assim, porém remunerado.
E assim os pais vão delegando suas responsabilidades a terceiros, deixando por conta de outros a formação da personalidade de seus filhos. Aquela troca diária, a cumplicidade, a empatia vão se fragilizando com o tempo e, quando menos se espera, o nosso pequeno cresceu e sequer sabemos no que ele se tornou. Por conta da terceirização, um tenebroso abismo se estabelece entre pais e filhos na adolescência e, pasmem, não é raro os pais tecerem o malfadado lamento: não sei o que aconteceu… eu sempre fiz tudo por ele.
Para terminar, falando de cumplicidade, deixo aqui uma fantástica experiência pela qual passamos eu e minha filha em uma das centenas de vezes que a busquei na escola. Ela saía as cinco e naquele dia precisei que fosse liberada mais cedo. Uma pessoa próxima havia falecido e eu precisava ir ao enterro. Então, excepcionalmente, comuniquei à coordenação a minha urgência e subiram para chamá-la na sala de aula. Lá de baixo, comecei a ouvir os berros da professora, a mulher estava completamente descompensada, começou a gritar com a minha filha, dizer que a saída dela estava atrapalhando a aula. Dentre outras coisas absurdas que disse, chegou a xingá-la de estúpida e idiota, fazendo-a passar por um constrangimento vexatório. Óbvio que o sangue me subiu a cabeça, tive vontade de subir e confrontar aquela criatura com a sua falta de responsabilidade, de senso, de ética e de educação, mas não achei o momento mais adequado, porque qualquer atitude ali exporia a minha filha a uma situação de maior fragilidade ainda. Quando minha filha me viu, aparentei normalidade. Ela entrou no carro, sentou no banco traseiro como de costume e eu a acompanhava pelo espelho. Perguntei: filha, está tudo bem? Ela disse: _ Está _enquanto as lágrimas desciam pelo canto do olho. Ali nós conversamos, falamos do que havia acontecido, garanti que a culpa não foi dela e tratei de ensiná-la a preservar sua autoestima em meio aquela frustração à que foi exposta. No dia seguinte, tomei as providências cabíveis, o que não vem ao caso aqui. Contei este evento apenas para que possamos nos fazer juntos a seguinte pergunta: e se fosse um terceiro naquele dia no portão da escola?
Enfim, o que posso garantir é que aquele triste episódio nos serviu para estreitarmos ainda mais os laços. A minha cumplicidade lhe ensinou a empatia e, certamente, foi uma pedrinha a mais no alicerce da amizade que construimos juntos, desde a sua infância.
Espero, sinceramente, que os pais e mães desta geração retomem às rédeas da criação de seus filhos. Que acordem antes que seja tarde. Que não vejam a criação como um peso, não terceirizem pelo medo de não serem competentes o suficiente, ou por acharem que são os recursos que definem o futuro brilhante dos seus meninos. Definitivamente, o andar lado a lado é o que os mantém fortes e aptos para a vida.
Se você necessita de mais informações sobre criação de filhos, seja na infância ou adolescência, diariamente respondo a pais e cuidadores através de postagens no grupo de WhatsApp: PAIS EM REFORMA. Para fazer parte basta acessar o link de entrada na página “home” deste site.
Até o próximo texto.
Infelizmente essa é uma realidade em nossos dias. Certa vez em uma reunião de pais de uma escola que trabalhei fiz o seguinte comentário:
Criar nós criamos animais. Alimentamos, cuidamos da higiene, levamos ao médico quando se faz necessário … porém educar é algo bem mais profundo, educar passa pelo amor demonstrado e vivido pelas sucessivas experiências do dia a dia.
Creio ser +/- isso que o artigo expressa, não se terceiriza o amor, não se terceiriza a alegria de se descobrir ser parte da vida ” dos nossos maiores fãs”.
Parabéns, muito boa reflexão. Que seus leitores sintam-se provocados em melhorar seus relacionamentos pais e filhos.