ANTES DE CHEGAR À ESCOLA

Em consonância com o post anterior, CRIANÇAS E REGRAS, apresento sua continuação, já que este tema é por demais importante para o desenvolvimento de uma sociedade saudável, entendendo como saudável o convívio pacífico, de espírito cooperativo e respeitoso, onde cada indivíduo manifeste consciência de seus direitos sem atropelar o direito dos demais.

Quando os pais entendem a importância da família como primeiro grupo social que os filhos vivenciarão, que os filhos nascem apenas com um pequeno repertório de reflexos naturais de sobrevivência e que  todo o restante dependerá do tipo de experiências a serem  assimiladas no meio familiar,  ganham consciência de que precisam conhecer mais sobre os estágios de desenvolvimento pelos quais os filhos passarão e, por conseguinte, têm mais chance de realizarem um bom trabalho, pois não serão pegos de surpresa quando as fases que exigem mais elaboração da paternidade/maternidade chegarem.

Podemos afirmar, então, que a família é o primeiro modelo social experimentado pelo criança.

Após o estágio das regras motoras,  apresentado no texto anterior deste blog, vem o estágio de imitação, quando a criança estará entre três e seis anos, aproximadamente.  Ao longo deste interstício, a criança  estará assimilando e acomodando, segundo Piaget, seu ambiente de referencia que é a família.  Assim, se os pais se tratam com respeito, se os filhos experimentam, em seu meio, regras amistosas de convivência, recheadas de “bom dia”, “obrigado”, “por favor”; se podem observar parceria e cooperação entre os membros da família, bem como o respeito aos mais velhos e a valorização do conhecimento e experiência deles, tendem a chegarem na escola prontos para seguirem  se aprofundando na complexidade do aprendizado social.  Voltando aqui ao respeito ao mais velho, interessante relembrar aquela prática antiga de se pedir a benção aos avós. Quantos adultos hoje podem se lembrar dessa prática de quando eram pequenos? Para algumas famílias, nem era a fé que se praticava ao se pedir a benção, mas um ponto de convergência entre todos que lançavam mão deste costume era o reconhecimento da autoridade de alguém mais velho. Ora, se os filhos  reconhecem a autoridade dos mais velhos e se portam respeitosamente diante deles, quando chegarem à escola e se depararem com a figura do professor, farão com tranquilidade essa projeção.  Estarão prontos a respeitarem as orientações não só dos professores, mas de todos os demais adultos que orbitam aquele ambiente (inspetores, coordenadores, diretores, etc), vez que estarão por conta do fenômeno da generalização. Aprenderam em casa que pessoas mais velhas têm um lugar especial na escala dos valores sociais.  Esta noção é fundamental para o desenvolvimento da socialização escolar.  A escola é o segundo ambiente que a criança frequentará observando-se a cronologia de seu desenvolvimento, e é extremamente relevante para o progresso das habilidades sociais. No entanto, a criança precisa chegar à escola com valores de base bem consolidados. Acredito que o mais importante de todos estes valores é o respeito ao próximo.

Em segundo lugar, também deve estar bem consolidado o aprendizado de que nem tudo que se deseja é permitido, pelo menos naquele momento. A compreensão e acatamento dos limites se aprende na família. No meio familiar as crianças perceberão que algumas coisas estão interditadas, não são permitidas, ou são de uso exclusivo de um grupo em particular, do qual ela não faz parte.  É o aprendizado do famoso “não”.  Há pouco tempo, foi apresentada uma matéria no fantástico “Por que crianças não obedecem o não?”. Os recentes conhecimentos da neurociência dizem que o cortex pré-frontal ainda está muito imaturo nos primeiros anos de vida, tendo a criança dificuldades em obedecer ordens na forma negativa como, por exemplo, “não pule”, o que deveria ser substituído por: pare!  Então vejamos, você deseja ensinar as crianças pequenas algum comportamento, como guardar os brinquedos após a brincadeira. Neste caso,  você não deve dizer que não quer bagunça no quarto. Seria mais eficaz dizer que quer o quarto bem bonito, reforçando com pequenas recompensas:  se guardar os brinquedos ganha um abraço, um beijão, uma bala, um passeio na pracinha. Este reforço positivo passará por sua criatividade e condições.  É fato que, quem opta por esta maneira de controlar o comportamento, se utilizando de reforço positivo ou negativo, deve conhecer bem sua criança, pois nem todos as crianças se sentem reforçadas pelos mesmos estímulos.

Dessa fase da minha infância, tenho memórias da  “Tia Alcidéia” , minha professora do ensino primário (hoje, ensino fundamental). Quando a aula se aproximava do fim, ela começava a colocar no quadro o dever para casa. Os alunos seguiam conversando, mas também copiando do quadro. Quando ela terminava, para controlar o falatório em sala e manter a turma relativamente sob controle, ela dizia que nossa saída estava condicionada a ficarmos quietinhos, sentados em na cadeira e de cabeça baixa.  Quando autorizava a saída do primeiro, gradativamente, todos os outros se conformavam àquela regra, para serem os próximos na escolha da professora. Assim, ela não precisava gritar, nem dizer NÃO façam bagunça.

Certamente, Tia Alcidéia jamais poderia pensar que aquele seu comportamento intuitivo serviria de valioso ensinamento para a vida, tanto quanto os conteúdos de sua aula.

Concluindo, aqui temos dois valores a serem desenvolvidos no estágio da imitação: o respeito ao próximo e aos limites. E esta lição provavelmente não será aprendida naquele contexto cujo lema é faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. Em se tratando de imitação, pode ter certeza, o que os pais fazem vale mais do que um universo repleto de palavras.

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