O LIMITE É O DESEJO DE QUEM CUIDA

É notório em nossa sociedade do século XXI que a maioria dos pais perdeu o controle dos filhos, entendendo controle como a capacidade de oferecer limites. Assim a adolescência chega, uma fase marcada por um grande salto qualitativo no desenvolvimento, pois o adolescente é aquele que está em busca de uma identidade diferente da de seus pais, o que nos faz conhecer muitas histórias, entre pais e filhos, que são marcadas por episódios turbulentos.

Por isso estou me prolongando no tema: limites/regras. Hoje gostaria de aprofundar o tema trazendo o olhar da psicanálise para esta questão. Porém já aviso que algumas perguntas serão respondidas ao longo desta leitura e várias outras serão formuladas por sua curiosidade. Mas não se angustie, faço votos que você vá atrás de suas respostas.

Apenas para fazer citação, Freud postulou que o sujeito, no processo de desenvolvimento da personalidade, passa por quatro fases e um período de latência conhecidas como: fase oral, fase anal, fase fálica, período de latência e fase genital.  Em cada uma destas fases, um turbilhão de aspectos da personalidade está em formação, já que o psiquismo está se estruturando a partir das relações objetais, ou seja, relações com pessoas, coisas, meio ou práticas com capacidade para satisfazer ao desejo.

O foco de nosso texto está na fase anal, a segunda fase, porém espera-se que a criança tenha vivenciado de maneira adequada a fase anterior, a fase oral, onde é construído o vínculo afetivo com a família, mais especificamente com pai e mãe, ou seu cuidador(a).  Nesta fase, os mecanismos de projeção e introjeção vão estabelecer as primeiras trocas psicológicas com o mundo (Fiori, v1p.35).

Já a fase anal é caracterizada pelo controle dos esfíncteres. No imaturo psiquismo infantil, a criança tem nos produtos corporais excretados de seu interior (o cocô) suas primeiras produções para o mundo.  Aliás, em rápidas palavras, o cocô desde o nascimento deve ser muito bem vindo, sem comentários pejorativos quanto ao cheiro, aspecto ou quantidade.  Esta postura indicará que suas realizações são bem recebidas no mundo dos adultos com quem se relaciona, trabalhando sua autoestima, por exemplo.  A criança na fase anal está entre dois e quatro anos, aproximadamente. Já aprendeu a andar, cai de vez em quando, tira tudo do lugar, desmonta brinquedos, quebra o biscoito comendo uma parte e jogando a outra no chão, não compartilha o que está em sua mão,…tudo isso é absolutamente normal.  Ela está demarcando seu território e descobrindo o mundo ao seu redor, sua textura, consistência, cor, brilho, sons e etc.  No que diz respeito ao campo das interações humanas, segundo a teoria psicanalítica, é aqui que os pais devem começar a pensar nos limites.

Segundo Winnicott, quando o filho entra na fase anal, precisa sentir que o pai toma conta dele, assim permitirá ao filho fazer a distinção entre o que ele é e a figura do pai. Logo, o pai deve expressar ao filho o seu desejo. Nesta teoria, o desejo dos pais é superior a regra, pois uma regra pode ser questionada, o desejo não. Então os pais vão dizer que está na hora de parar a brincadeira para tomar banho.  Os filhos se sentirão frustrados porque interromperão a brincadeira e, consequentemente, o sentimento de prazer que esta lhes proporciona.  Logo, as crianças dirão: por que tem que ser agora, deixa ficar mais um pouquinho?  Os pais, suficientemente bons, saudáveis, dirão que o banho deve ser naquele momento pois este é o seu desejo, é assim que ele quer.  Seria autoritarismo se os pais dissessem, que, se não parassem de brincar levariam uma surra ou ficariam de castigo; mas quando os pais apenas impõem a sua vontade sobre a vontade dos filhos, sem condicionamentos, eles percebem esta prática como cuidado.

A essa altura,  a criança já está de cara emburrada, resmungando, contrariada, mostrando sua ira no momento do banho.  Pais bem resolvidos em suas questões psicológicas sabem que é absolutamente normal que quando uma fonte de prazer é interrompida aparecerem os sinais de insatisfação, zanga, tristeza, e, muitas vezes, FRUSTRAÇÃO.  Por isso, devem permitir que os filhos vivam este momento, quando o sistema límbico está processando tais sentimentos e as reações de desapontamento estão aflorando. Não devem ‘mandar calar a boca’, ‘dizer agora já chega’, ‘não quero mais te ouvir falando nisto’, a fim de que se permita aos filhos expressarem sua frustração. As emoções, quando não são vividas de um jeito, serão vidas de outro.

Mais tarde, às vezes no dia seguinte, a zanga passará. Segundo esta teoria o filho se submeteu ao desejo do pai.  Assim, segundo Winnicot, o permitido é do pai e da mãe, “eu não quero que mexa aqui”, “eu não quero que faça isso”; e quando perguntarem: “Mas por que?”, a resposta é: “Porque eu não quero.”  Pois nesta fase, o limite é o desejo de quem cuida. Vale reiterar que essa postura dos pais se aplica à fase anal.

Se isso parece tão simples, por que é tão difícil para os pais? Porque os filhos quando são contrariados  e demonstram raiva geram culpa nos pais. A vida dos adultos normalmente não é nada fácil. Existe o estresse do dia a dia, é o trabalho que cansa, o trânsito, as relações interpessoais, as contas para pagar, tudo isso já é uma importante fonte de desprazer. Vivenciar a raiva do filho parece aumentar este desprazer, logo, é comum os pais sucumbirem às demandas infantis, abrindo mão de seus próprios desejos. Infelizmente, os pais desconhecem que são com estas vivências que um EGO forte se estrutura, sendo capaz de se frustrar e de se resolver logo em seguida.

É evidente que não devemos ser os provocadores de frustrações, mas quando elas acontecerem, percebamos o potencial didático que elas possuem na formação de um psiquismo bem resolvido.

2 thoughts on “O LIMITE É O DESEJO DE QUEM CUIDA

  1. Cláudia Regina Carvalho Azeredo de Oliveira says:

    É verdade Dr Álvaro, no caso eu agora li o seu texto como avó. Pois minhas filhas hoje já estão casadas e cada uma com um filho, más eu fui ao longo do texto por alguns momentos, vendo direitinho os meus netos liiindos, fazendo tudo isso que foi descrito aqui… Só que cada uma das mães agem de diferente formas.
    Uma do jeitinho que o Dr descreveu lá em cima e a outra não admite nem que a criança chore.

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